As forças de segurança sudanesas dispararam gás lacrimogêneo contra manifestantes hostis ao golpe no Sudão nesta sexta-feira (29), na véspera de um dia de manifestações em massa e após cinco dias de protestos nos quais pelo menos oito pessoas morreram.
Desde o golpe de segunda-feira (25) liderado pelo general Burhan, que frustrou as esperanças de uma transição democrática neste país assolado por conflitos, pelo menos oito manifestantes foram mortos, e mais de 170, feridos, pelas forças de segurança, de acordo com fontes médicas.
A polícia disparou gás lacrimogêneo na noite de sexta-feira contra manifestantes no norte da capital Cartum, disseram testemunhas à AFP.
"Atirar em manifestantes pacíficos é intolerável, mas isso não vai nos desencorajar", disse Haitham Mohammed, um manifestante em Cartum, à AFP. "Tudo isso reforça nossa determinação".
Apesar de as autoridades terem cortado o acesso à Internet, os manifestantes se organizam para se reunir em Cartum e em outras cidades. E, embora tenham sido dissolvidos, sindicatos e outras associações continuam a se mobilizar em favor da "desobediência civil" e da "greve geral", que transformaram a capital em uma cidade morta.
Para este sábado, os opositores ao golpe prometem "um milhão" de sudaneses nas ruas. Suas palavras de ordem serão claras: "Burhan, deixe o poder", "Burhan para Kober!".
Kober é a prisão de segurança máxima em Cartum, onde está detido o general Omar al-Bashir. Ele foi destituído pelo Exército em abril de 2019, sob pressão das ruas, após 30 anos de ditadura.
Para os manifestantes, o general Burhan, ex-chefe do Exército de Bashir, deve ir para a mesma prisão.
Os Estados Unidos exigiram que o exército não reprima os protestos de sábado e que "respeite totalmente o direito dos cidadãos de se manifestarem pacificamente".
"Acho que isso vai ser uma indicação real de quais são as intenções dos militares e quais, infelizmente, o número de vítimas pode ser", disse um alto funcionário dos EUA, sob anonimato, sobre os protestos de sábado.
"Como o velho regime"
Na segunda-feira, o general Burhan, governante de fato do Sudão desde a queda de Bashir, dissolveu o frágil governo de transição que deveria levar o país a um governo civil.
O primeiro-ministro Abdullah Hamdock foi preso no mesmo dia e está sob vigilância em sua casa. Outros ministros, encarregados da transição com Hamdock, também se encontram em prisão domiciliar.
Os elementos ainda livres de seu gabinete se tornaram os porta-vozes daqueles que exigem o retorno das autoridades "legítimas", assim como o fim da divisão com os militares da transição para um poder totalmente civil.
"O Exército é exatamente como o antigo regime" do general Bashir, que também chegou ao poder em 1989 com um golpe, comentou Haitham Mohammed.
Este país empobrecido da África Oriental teve apenas breves períodos democráticos desde sua independência em 1956.
Além da prisão de lideranças civis e de ministros, as novas autoridades buscam silenciar qualquer oposição ao golpe e têm detido personalidades políticas, militantes e até simples pedestres.
A imprensa também foi afetada. Soldados invadiram a televisão estatal, cujo chefe, apoiador de um poder civil, foi demitido na quinta-feira. O mesmo aconteceu com a agência oficial de notícias, SUNA.
"Mensagem clara"
Nesta sexta, o jornal Al Democrati sofreu uma intervenção. Os soldados "forçaram o guarda do prédio a sair, selaram a porta e disseram a ele para não voltar", relatou um de seus jornalistas à AFP, sob condição de anonimato.
No dia anterior, a rádio Hana foi fechada.
Diante dessa repressão, o general Burhan afirma, por sua vez, que o Sudão "não sofre um golpe de Estado", mas "um endireitamento do caminho da revolução".
Mas a comunidade internacional continua pressionando os militares sudaneses.
Nesta sexta, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu ao Exército sudanês "contenção" durante as manifestações marcadas para sábado em Cartum.
"Peço aos militares que mostrem contenção e não causem mais baixas. As pessoas devem ser capazes de se manifestar pacificamente", disse Guterres na véspera de uma cúpula do G20 em Roma.
O Conselho de Segurança da ONU expressou na quinta-feira sua "profunda preocupação com a tomada do poder militar" e instou a junta sudanesa a restaurar o governo civil.
Na mesma linha, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse em um comunicado: "Nossa mensagem às autoridades militares sudanesas é clara: o povo sudanês deve ter permissão para se manifestar pacificamente, e o governo de transição liderado por civis deve ser restaurado".
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