Conexão diplomática

 

Olho nos vizinhos em turbulência

Uma bateria de indicações examinadas no Senado, nesta semana, para o envio de novos embaixadores a diferentes postos trouxe à tona a preocupação do Itamaraty com o andamento das questões internas em alguns países vizinhos. Desde já, chama a atenção a instabilidade no Equador, onde o presidente Guillermo Lasso decretou na semana que se encerra o estado de exceção — sob a alegação de combater o narcotráfico e a violência associada a ele.
Se o Equador não tem limite direto com o Brasil, o Peru tem a segunda fronteira terrestre mais extensa. Lá, a situação é outra: o presidente Pedro Castillo, um esquerdista recém-empossado, dissolveu o gabinete e está em linha de confronto com o partido Peru Libre, legenda autointitulada marxista-leninista pela qual se elegeu. Rejeitado desde logo pela metade direitista saída das urnas, Castillo agora depende de costurar uma maioria para governar.

Gangorra

Depois de duas décadas pensa para a esquerda, a gangorra política sul-americana — campo de atenção mais imediato para a diplomacia brasileira — pendeu para a direita nos últimos anos. A eleição de Jair Bolsonaro, no fim de 2018, teve o sabor de “cereja do bolo” para quem se incomodava com a presença de guerrilheiros dos 1960 e 70 (Dilma e José Mujica, para ficar em presidentes) na cabeça do governo de alguns dos principais países da região.
À parte as projeções eleitorais para o Brasil em 2022, repetem-se sinais de que o subcontinente, afinal, continua discutindo um tema bicentenário. O ciclo de independência do início dos anos 1800 formalizou a identidade de uma geração de países, mas não consolidou um caminho sustentável de desenvolvimento.
Salvo os intervalos representados por regimes autoritários, a gangorra tem representado o movimento da balança política regional.

O homem certo...

Em especial no exame da indicação do embaixador Sérgio Danese para chefiar a missão diplomática no Peru, o voto favorável da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado expressou o consenso de que a diplomacia brasileira acumula credibilidade e reconhecimento externo que colocam nossos enviados em posição central, nas situações de conflito externo.

...no lugar certo

Peru e Equador integram a Aliança do Pacífico, bloco comercial que reúne possibilidades socioeconômicas e geográficas para firmar-se como complemento natural ao Mercosul. No momento em que o bloco dominado por Brasil e Argentina trata de finalizar o acordo comercial fechado em 2019 com a União Europeia, a presença de um diplomata de larga experiência em Lima ajuda a construir pontes na direção geopolítica oposta à do eixo transatlântico.

Tá faltando ele

Durante a sabatina do embaixador Sérgio Danese, não escapou à presidente da CRE, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o movimento pelo qual um dos “cinquentões” do Itamaraty deixou um posto cotado entre os mais estratégicos, na construção de política externa do MRE. Há menos de um ano, Danese assumia a chefia da embaixada brasileira na África do Sul.
Embora reconhecendo a relevância dos laços com um vizinho como o Peru, a senadora que encarna a bancada do agronegócio lamentou a remoção do experiente diplomata, até então titular da embaixada na África do Sul. No mapa-múndi de Simone Tebet, que se projeta como candidata a chefiar o Itamaraty, em uma situação política favorável, Danese deixou uma vaga especialmente sensível em um dos sócios do Brasil no Brics.
O presidente Jair Bolsonaro indicou para o lugar de Danese o ex-senador e ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella. Além dos problemas internos, com a retenção de passaporte por conta dos processos relacionados a sua destituição do Executivo carioca, Crivella ainda não tem o agrément do governo sul-africano, incontornável para a acreditação de um embaixador.

Agoniza, mas não morre

Na mesma sessão, a CRE do Senado aprovou a nomeação do embaixador Roberto Parente para chefiar a missão na República Democrática do Congo. Embora sujeita a confirmação pelo plenário do Senado, a decisão soma com o empenho da diplomacia profissional para manter as posições conquistadas pelo Brasil na África nos anos 2000.
Desde que retomou e ampliou a inserção no continente, no governo de Lula, com o chanceler Celso Amorim, o Brasil veio encontrando nichos para investimentos de capital. Hoje, o corpo diplomático profissional segue explorando e ocupando espaços, à margem da política externa de governo.