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China assedia Taiwan com incursões aéreas em 'zona cinzenta'

Em setembro de 2020, o mês anterior com o maior número de incursões, Taiwan localizou 32 caças e três bombardeiros. Este mês, detectou 124 caças e 16 bombardeiros

Os caças aéreos chineses estão se multiplicando nos radares de Taiwan. A mais recente estratégia de Pequim é pressionar a ilha, mas teme-se que um erro transforme esse conflito latente em uma guerra de fato.

Este território autogerido vive sob a constante ameaça de uma invasão da China desde o fim da guerra civil em 1949. Desde então, os 23 milhões de taiwaneses se acostumaram a conviver com o ruído dos caças.

Mas o forte aumento no número de aeronaves militares chinesas entrando na Zona de Identificação de Defesa Aérea (ADIZ) da ilha colocou os holofotes no Estreito de Taiwan, com temores de que se torne um ponto de um conflito global.

A AFP elaborou uma base de dados que coleta todas as incursões desde setembro de 2020, quando o ministro da Defesa de Taiwan começou a publicá-las abertamente. Nela fica claro que os voos estão aumentando tanto em frequência quanto em quantidade.

O clímax dessa estratégia aconteceu no início do mês, quando a China comemorou seu feriado nacional. Em apenas quatro dias, 149 caças e bombardeiros penetraram na zona de identificação do sudoeste de Taiwan.

As incursões são mais agressivas, até pessoais. Em uma transmissão de rádio postada na internet, um piloto chinês é ouvido insultando a mãe de um controlador de tráfego aéreo taiwanês.

"Pressão psicológica"

Somente nesses quatro dias, o total de 117 voos foi superado em 28% em setembro, que, até o momento, foi o mês com mais ocorrências registradas.

No ano anterior, Taiwan registrou 380 incursões no sudoeste de sua zona de identificação. Este ano já são 692, quase o dobro.

O tipo de aeronave enviada também evolui. Há cada vez mais aviões que a China poderia usar em caso de invasão, como o bombardeiro H6, com capacidade nuclear.

Em setembro de 2020, o mês anterior com o maior número de incursões, Taiwan localizou 32 caças e três bombardeiros. Este mês, detectou 124 caças e 16 bombardeiros.

Ainda assim, os analistas pedem para não exagerar a ameaça representada por essas entradas. A ADIZ não corresponde ao território aéreo de Taiwan, mas é mais extenso e em algumas partes se sobrepõe à China continental.

Mas até 2020, a China raramente enviava seus aviões para o setor sudoeste.

"Isso é o que chamamos de tática de 'zona cinzenta'. Eles mantêm a pressão psicológica sobre Taiwan", disse à AFP o almirante aposentado Lee Hsi-min, que deixou a liderança das forças armadas de Taiwan em 2019.

"Zona cinzenta" é um termo usado por analistas militares para descrever ações agressivas de um Estado, mas sem se envolver em guerra aberta, o que o secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, descreveu como um "limbo entre a paz e a guerra".

Taiwan está sob pressão crescente desde a eleição, em 2016, da presidente Tsai Ing-wen, que considera a ilha soberana e não parte de "uma China", como defende Pequim.

Entre as medidas de "zona cinzenta", o almirante cita ataques cibernéticos, campanhas de desinformação ou a presença de dragas chinesas que retiram areia das ilhas vizinhas de Kinmen e Matsu, pertencentes a Taiwan, mas próximas ao continente.

As incursões aéreas também permitem que a China "melhore o treinamento de pilotos", incluindo voos noturnos ocasionais, e mantenha a frota envelhecida de Taiwan sob constante estresse, acrescentou.

"Tempestade perfeita"

A China, publicamente comprometida em retomar Taiwan um dia, pouco diz sobre suas incursões.

Para analistas, estas são mensagens dirigidas a três públicos: o governo e o povo de Taiwan, a crescente base nacionalista chinesa e as potências ocidentais.

Os voos deste mês seguiram-se a exercícios navais no Pacífico envolvendo navios dos Estados Unidos, Reino Unido e Japão.

O acordo de Washington com a Austrália para fornecer submarinos com propulsão nuclear também havia sido assinado pouco antes, e era sabido que as forças especiais dos EUA estavam treinando tropas em Taiwan.

"Pequim quer mostrar que não será intimidada por alianças de segurança, que sem dúvida têm como alvo a China", disse J Michael Cole, especialista do Global Taiwan Institute em Washington.

"Também mostra ao público local que não é complacente com os acontecimentos que favorecem Taiwan", acrescentou à AFP.

Por muito tempo, os Estados Unidos desenvolveram uma política de "ambiguidade estratégica" em relação a Taiwan, fornecendo-lhe armas, mas evitando o compromisso explícito de vir em socorro à ilha.

Mas agora o presidente Joe Biden declarou em duas ocasiões que seu exército defenderia Taiwan se fosse atacado pela China.

Embora os ataques aéreos não cheguem perto do solo, muitos temem que um acidente, colisão ou erro possa desencadear uma guerra aberta.

O presidente Xi Jinping fez de Taiwan uma prioridade em sua tentativa de assegurar um terceiro mandato no próximo ano.

Os Estados Unidos e Taiwan alertam que Pequim poderá estar pronta para invadir a ilha em alguns anos.

Jia Qingguo, especialista em relações internacionais da Universidade de Pequim que assessora o governo, publicou recentemente um poderoso relatório alertando que uma "tempestade perfeita" estava se formando no Estreito de Taiwan.

A agressividade de Pequim é "determinada por sua crescente capacidade militar e crescente demanda doméstica por unificação", explicou.

Além disso, Pequim está sob pressão para agir contra o relacionamento crescente entre Taipei e Washington.

"Todas as três partes veem suas interações numa espiral viciosa, tornando o confronto militar e a guerra aberta um cenário cada vez mais provável", advertiu Jia.

Su Tzu-yun, especialista do Instituto de Pesquisa de Segurança e Defesa Nacional de Taiwan, diz que Taipei "deveria ser mais vigilante e não estar tão preocupado".

Um desembarque anfíbio através do Estreito de Taiwan continua sendo "a operação militar mais complexa e se qualquer parte do processo estiver comprometida, a operação fracassa", disse à AFP.

"A China pode começar uma guerra, mas se pode vencê-la é outra", acrescenta.