Deputados de todos os partidos da oposição chilena apresentaram nesta quarta-feira (13) ao Congresso uma acusação para destituir o presidente do país, Sebastián Piñera, pela polêmica venda de uma mineradora em um paraíso fiscal revelada no caso 'Pandora Papers'.
O presidente Piñera usou "o cargo para negócios pessoais", afirmou o deputado Tomás Hirsch ao apresentar a acusação na Câmara dos Deputados, primeiro passo de um processo de destituição que pode demorar várias semanas.
Esta acusação constitucional, que segundo o presidente conservador chileno "não tem fundamento algum", se soma a uma investigação penal aberta pelo Ministério Público há cinco dias pela mesma operação: a venda em 2010 da mineradora Dominga por parte de uma empresa dos filhos de Piñera quando ele estava em seu primeiro mandato (2010-2014).
Agora a Câmara dos Deputados, que tem maioria opositora, deverá decidir se aprova ou rejeita a acusação, uma votação que acontecerá na primeira semana de novembro, informaram fontes do Congresso à AFP.
Se for aprovada, a acusação seguirá para o Senado, que definirá o destino de Piñera, cujo segundo mandato, iniciado em março de 2018, terminará em 11 de março de 2022.
A previsão é de que o processo de impeachment no Congresso seja definido antes adas eleições de 21 de novembro, quando acontecerá o primeiro turno para escolher o próximo presidente do Chile e o Congresso será renovado.
O governo acusou a oposição de apresentar "uma acusação sem fundamento jurídico" em busca de ganhos políticos. "É o mais sujo da campanha eleitoral", afirmou o ministro porta-voz Jaime Bellolio, insistindo na inocência de Piñera.
A publicação dos 'Pandora Papers' há 10 dias aumentou a pressão sobre Piñera, um dos homens mais ricos do Chile, que insiste em sua inocência e alega que abandonou a administração das empresas em 2009, antes de assumir o primeiro mandato como presidente, o que significa que não teve participação na venda da mineradora Dominga.
De acordo com uma investigação dos meios de comunicação chilenos CIPER e LaBot, que integra as reportagens sobre os 'Pandora Papers' do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), a mineradora Dominga foi vendida ao empresário Carlos Alberto Délano, amigo íntimo de Piñera, por 152 milhões de dólares em um negócio efetuado em parte nas Ilhas Virgens Britânicas.
O pagamento da operação deveria ser feito em três cotas e continha uma polêmica cláusula que condicionava o último pagamento ao “não estabelecimento de uma área de proteção ambiental sobre a área de operações da mineradora, como desejavam grupos ambientalistas".
O governo de Piñera, segundo a investigação, acabou por não proteger a área da mina, o que significa que o terceiro pagamento foi efetuado.
Projeto de mineração e portuário
O presidente afirma que não teve conhecimento da venda da mineradora Dominga porque colocou seus ativos em um fundo 'blind trust' em 2009. Além disso, alega que o tema é uma "coisa julgada" porque os fatos foram "investigados de maneira profunda" pelo MP e indeferidos pelos tribunais em 2017.
O MP, no entanto, afirmou na sexta-feira que não há "coisa julgada" porque esta venda não estava expressamente incluída na causa.
O projeto de mineração, aprovado por um tribunal regional mas que depende de recursos da Suprema Corte, inclui a exploração de duas minas a céu aberto - de ferro e de cobre - no deserto de Atacama, na região de Coquimbo, 500 km ao norte de Santiago.
Também contempla a construção de um porto de carga de minérios próximo a um arquipélago onde existe uma reserva nacional que contém 80% das espécies de pinguins de Humboldt, além de outras espécies protegidas.
Durante seu primeiro mandato, Piñera anunciou o cancelamento da construção da termelétrica Barrancones, pertencente à empresa franco-belga Suez, que seria instalada perto da mineradora Dominga.
Depois de cancelar o projeto, no entanto, Piñera não voltou a falar sobre a proteção desta zona que sua antecessora, a socialista Michelle Bachelet, trabalhou para transformar em Parque Nacional e evitar assim qualquer atividade de ameaça.
Contra as cordas
Piñera, de 71 anos, seguirá no cargo enquanto o processo avança no Congresso.
Assim que a acusação foi apresentada, a Câmara dos Deputados formou por sorteio uma comissão de inquérito com cinco membros, que preparará um relatório recomendando ou rejeitando o pedido de destituição. Piñera pode presentar suas alegações de forma presencial ou por escrito.
O grupo está formado por dois deputados do governo e três opositores, entre eles a socialista Maya Fernández, neta do ex-presidente Salvador Allende (1970-1973).
Independente da recomendação da comissão, o caso deve ser debatido e votado pelo plenário da Câmara, onde a oposição tem maioria folgada (83 de 155 cadeiras).
Se a Câmara aprovar, o processo avançará para o Senado, onde a correlação de forças é mais apertada e são necessários dois terços dos votos para destituir o presidente.
No fim de 2019, Piñera sofreu uma tentativa de acusação pela violenta repressão das grandes manifestações contra a desigualdade, mas a medida não prosperou.
Piñera é o segundo presidente chileno em exercício que enfrenta um processo de impeachment. O anterior foi Carlos Ibáñez del Campo em 1956, mas a acusação foi rejeitada.