O uso de paraísos fiscais para guardar recursos no exterior voltou ao centro do debate público no Brasil nas últimas semanas, com a revelação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mantêm recursos em empresas offshore.
Ambos negam irregularidades, mas devem comparecer ao Congresso nas próximas semanas para prestar esclarecimentos sobre o assunto.
Enquanto isso, no cenário internacional, o G20 — grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia — se reúne nesta quarta-feira (13/10) para discutir, entre outros assuntos, o acordo final em torno da proposta de um imposto global mínimo, com o objetivo de inibir a elisão e a evasão fiscal por multinacionais.
Elisão fiscal é o uso de manobras lícitas para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos — como, por exemplo, manter recursos em uma offshore, como fazem Guedes e Campos Neto. Já a evasão fiscal tem o mesmo objetivo, mas por meios ilícitos.
A proposta de um imposto mínimo global para multinacionais foi aprovada preliminarmente pelo G20 em julho deste ano. Na sexta-feira (8/10), a iniciativa teve novo avanço, após a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) anunciar um acordo reunindo 136 países — incluindo o Brasil e nações europeias antes relutantes, como Irlanda, Hungria e Estônia — em torno da proposta. Paquistão, Sri Lanka, Quênia e Nigéria não concordaram em aderir.
Pelo acordo, uma alíquota mínima de 15% será aplicada a partir de 2023 a multinacionais com faturamento anual acima de 20 bilhões de euros (R$ 128 bilhões) e margem de lucro superior a 10%. A expectativa da OCDE é de que isso gere arrecadação anual de US$ 150 bilhões (R$ 830 bilhões).
No entanto, um grupo de economistas renomados — entre eles o americano Joseph Stiglitz, os franceses Thomas Piketty e Gabriel Zucman, a indiana Jayati Ghosh e o colombiano José Antonio Ocampo —, defensores há muito do imposto global para multinacionais, criticam o acordo firmado no âmbito da OCDE e defendem uma alíquota maior do que os 15% acordados.
Em carta divulgada na terça-feira (12/10) através do jornal francês Le Monde, eles afirmam que a alíquota de 15% é "um sucesso para a Irlanda, mas um fracasso para o resto do mundo"; que os grandes perdedores serão os países em desenvolvimento; e que poucas empresas (apenas cerca das 100 maiores) serão afetadas pelo acordo, num momento em que a necessidade de receitas para apoiar a saúde pública e a recuperação econômica é maior do que nunca, devido à pandemia.
O ICRICT (Comissão Independente para a Reforma da Taxação Internacional de Empresas, em tradução livre), como é chamado esse grupo de economistas, defendia originalmente uma alíquota mínima global de 25%.
Na OCDE, a expectativa inicial era de chegar a uma taxa básica de 21%, mas a pressão de países com tributação interna menor — como a Irlanda (12,5%) e a Hungria (9%) — fez com que o acordo fosse fechado com a alíquota nos atuais 15%. Além disso, os países ficariam proibidos de adotar medidas de tributação unilateral de multinacionais.
Vencedores e perdedores
"Este processo de reforma foi diluído de tal forma que beneficiará esmagadoramente os países ricos", escreve o grupo de Piketty, na carta publicada na véspera do encontro do G20.
"Uma reforma que poderia ter trazido mais de US$ 200 bilhões em aumento de receita tributária em todo o mundo a uma taxa mínima de 21%, trará apenas US$ 100 bilhões a 15%", continuam eles, prevendo uma geração de receitas inferior aos US$ 150 milhões esperados pela OCDE.
Os economistas criticam ainda o critério de distribuição das receitas do tributo global, que deverá ser de 70 a 80% para os países sede dessas companhias e 20 a 30% para os países onde ocorrem as vendas. Por exemplo, a maior parcela da tributação sobre a Amazon iria para os Estados Unidos, seu país sede, e a parcela menor para os demais países usuários do serviço, entre eles, o Brasil.
"Ao priorizar a aplicação do imposto mínimo aos países onde as sedes das multinacionais estão localizadas, estima-se que a maior parte da receita adicional beneficiará apenas um pequeno número de países ricos", consideram os membros do ICRICT.
"Há uma preocupação legítima de que um mínimo global tão baixo se torne a norma global, e que uma reforma que se destinava a garantir que as multinacionais pagassem sua parte justa acabe fazendo exatamente o contrário", afirmam os economistas.
Ainda segundo eles, a exigência de um compromisso pelos países de retirar ou se abster de introduzir novas medidas unilaterais para tributar gigantes digitais "é simplesmente injusta".
"Em geral, o acordo atual não se baseia em uma compreensão adequada da realidade econômica por trás do funcionamento do imposto de renda corporativo e reforça as desigualdades globais. Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, só pode ser visto como uma solução provisória que eles foram forçados a aceitar", sentenciam.
O grupo defende que as negociações atuais devem continuar sob a presidência da Indonésia no G20 em 2022 e da Índia em 2023, para dar aos países em desenvolvimento uma voz efetiva.
O acordo anunciado pela OCDE na sexta-feira também foi criticado pela Oxfam, organização internacional que atua no combate à desigualdade.
"Este acordo é uma capitulação vergonhosa e perigosa ao modelo de baixa tributação de nações como a Irlanda. É uma zombaria à justiça e rouba os países em desenvolvimento devastados pela pandemia de receitas extremamente necessárias para hospitais, professores e melhores empregos", afirmou a organização em comunicado.
"Este acordo é uma injustiça inaceitável. Ele precisa de uma revisão completa. A OCDE e o G20 devem trazer justiça e ambição de volta à mesa e entregar um plano tributário que não deixe o resto do mundo recolher suas migalhas e restos", completou com dureza a Oxfam.
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