Na noite de ontem, era impossível se comunicar com o dramaturgo Yunior García Aguilera, líder do grupo Archipiélago e responsável por organizar, em Havana, as manifestações que estavam agendadas de 15 de novembro e ocorreriam em várias cidades de Cuba. “Eles retiraram a internet de Yunior, da esposa dele e dos sogros”, contou ao Correio a ativista e empreendora Saily González Velázquez, 30 anos, coordenadora dos protesto em Santa Clara, a 260km da capital.
Horas antes, uma carta assinada por Alexis Acosta Silva, intendente do Conselho da Administração de Havana Velha, e endereçada a Yunior, anunciava a proibição dos atos de 15 de novembro e determinava o seu “caráter ilícito”.
O governo do presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, justificou que a marcha teria “fins desestabilizadores” e visava uma mudança no regime. Também acusou os organizadores de terem vínculos com Washington. A mesma carta foi enviada a Saily e a representantes do grupo Archipiélago em cinco províncias diferentes: Holguín, Cienfuegos, Pinar del Río, Las Tunas e Guantánamo.
O Departamento de Estado norte-americano condenou o veto às passeatas e fez um pedido expresso às autoridades cubanas. “É a liberdade de expressão, é a liberdade de reunir pacificamente que o governo negou ao seu povo”, declarou Ned Price, porta-voz da chancelaria de Washington.
“Pedimos ao governo de Havana que respeite as liberdades e os direitos fundamentais do povo cubano.” Antes de se tornar incomunicável, Yunior disse à agência France-Presse que “qualquer cubano sensato deseja que em Cuba haja mais democracia, mais progresso e mais libedade, em todos os sentidos”.
Desafio
Às 19h25 de ontem (hora de Brasília), o grupo Archipiélago anunciou, no Facebook, a decisão de “marchar, cívica e pacificamente, pelos nossos direitos”. “Frente ao autoritarismo, responderemos com mais civismo”, afirmou. Saily González garantiu ao Correio que manterá os protestos em Santa Clara.
“A proibição das manifestações é uma demonstração a mais do caráter totalitário do governo. Também vejo essa negativa como uma falta de respeito para com o povo cubano. Eles alegaram que temos vínculos com organizações subversivas financiadas pelos EUA. Isso me parece extremamente desrespeitoso, pois usam o argumento de que a sociedade civil se mostra incapaz de pensar por si mesma e sempre precisa responder aos interesses estrangeiros. Somos pessoas que se deram conta da necessidade de direitos e liberdades em Cuba”, desabafou.
Por telefone, de Havana, a cubana Yoani Sánchez — jornalista dissidente e diretora do diário independente 14ymedio.com — afirmou à reportagem que a resposta das autoridades “mostra a fragilidade e a debilidade do regime de Cuba”.
“Ao dizer ‘não’ à marcha programada para 15 de novembro, uma manifestação pacífica, organizada com antecedência por pessoas que cumpriram as exigências legais, vemos que o castrismo se encontra em um ponto de extremo nervosismo. O oficialismo preferiu mostrar-se rígido e inflexível. Optar por essa estratégia é como disparar contra o próprio pé”, ironizou.
“Não é segredo que este sistema se encontra em seus estertores. Os protestos de 11 de julho passado mostraram que o modelo político-econômico perdeu a ascendência e o apoio maioritário dos cidadãos cubanos.”
Para Yoani, a proibição terá “custos inimagináveis” para o castrismo. “Isso vai criar mais solidariedade e mais paixão popular pelo exercício do direito cívico ao protesto pacífico. A resposta oficial foi muito desacertada e pode levar a ilha a um conflito civil de proporções inimagináveis”, advertiu. A dissidente admitiu ter “ilusões e esperanças” de que a nova geração cubana siga a natureza cosmopolita e libertária. “São pessoas que não sentem conexão emocional com a ideologia que impera em Cuba”, disse Yoani.
As justificativas para o banimento
A carta enviada a Yunior García Aguilera, líder do grupo Archipiélago, e assinada por um representante do regime cubano, afirma que “os promotores e suas projeções públicas, assim como os vínculos de alguns deles com organizações subversivas e agências financiadas pelo governo dos EUA, têm a intenção clara de promover uma mudança de sistema político em Cuba”. Segundo o texto, a passeata de 15 de novembro “recebeu apoio público de congressistas norte-americanos, operadores políticos e meios de comunicação que encorajam ações contra o povo cubano, tentam desestabilizar o país e instam à intervenção militar”.
Vozes da oposição
“Durante décadas, cada vez que alguém em Cuba criticou o modelo político, econômico e social, foi rotulado como mercenário, como uma pessoa paga por uma potência estrangeira ou a serviço dos EUA. As respostas de hoje (ontem) do governo sobre a marcha pacífica não surpreendem a ninguém. É o velho argumento de afirmar que os conflitos não são internos ou que as pessoas não estejam inconformadas com o regime, mas que se trata se algo fora da ilha.”
Yoani Sánchez, jornalista e blogueira dissidente, diretora do diário independente 14ymedio.com, moradora de Havana
“As consequências reais da proibição de nosso protesto são um sinal de que as autoridades poderiam arremeter contra a sociedade civil, contra as pessoas que marcharão. Nós manteremos os protestos de 15 de novembro. Esperamos repressão. Eles se sentem com todo o direito de reprimir a nossa iniciativa.”
Saily González Velázquez, 30 anos, organizadora dos protestos em Santa Clara, a 260km de Havana