Éric Zemmour, um jornalista francês de extrema-direita novato na política, está embaralhando a disputa eleitoral para a Presidência da França com uma ascensão meteórica nas pesquisas a seis meses do pleito.
Conhecido por suas declarações polêmicas em relação aos imigrantes e ao islã, que já resultaram em várias ações na Justiça, Zemmour ainda nem é oficialmente candidato, mas recentemente foi catapultado ao segundo turno na preferência em pesquisas, ultrapassando a líder da direita radical Marine Le Pen.
Desde a última eleição presidencial na França, em 2017, todas as pesquisas eleitorais indicavam que a votação no ano que vem seria novamente muito disputada, como em 2017, entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen, do partido de extrema-direita Rassemblement National (Reunião Nacional), o antigo Front National fundado por seu pai, Jean-Marie Le Pen.
O surgimento inesperado de Zemmour na disputa vem enfraquecendo e eclipsando a candidatura de Marine Le Pen e abrindo novas possibilidades.
O polemista já havia ultrapassado o candidato mais cotado da direita republicana, Xavier Bertrand. Na última pesquisa Harris Interactive para a revista Challenges, Zemmour chegaria ao segundo turno com 17% dos votos, deixando pela primeira vez Le Pen para trás com 15%. Macron se mantém na liderança com 24%. Considerada a margem de erro, Zemmour, Le Pen e Bertrand poderiam ir para a disputa final.
Em menos de um mês, Zemmour dobrou seus resultados nas pesquisas, passando de 7% a 17% das intenções de votos. O polemista vem recuperando eleitores de Le Pen e da direita republicana e estaria também atraindo o interesse de pessoas desiludidas com a política que não votam mais. Eleições locais e regionais vêm batendo recordes de abstenção no país.
Uma nova pesquisa divulgada nesta segunda-feira, do instituto Ifop, revela o quanto a disputa para o segundo turno ficou acirrada desde a possível entrada do polemista no jogo eleitoral. Neste novo resultado, Bertrand da direita republicana, e Le Pen estão empatados com 16%. Zemmour registra 14%. Embora com menos intenções de votos do que os rivais diretos e ainda dentro da margem de erro, o jornalista continua sua ascensão, com dois pontos percentuais a mais do que na pesquisa anterior, enquanto Le Pen perde dois pontos.
Para alguns analistas, o fato de Marine Le Pen ter atenuado seu discurso e abandonado projetos - como a saída da França da União Europeia (Frexit) e da zona do euro - para atrair um número maior de eleitores fez que com que a líder da direita radical deixasse de ser vista como uma candidata antissistema.
A mudança de postura de Le Pen, que incluiu a troca do nome do Front National como forma de tentar apagar a imagem xenófoba, racista e extremista da época de seu pai, faz parte da estratégia chamada na França de "desdiabolização" do partido. Especialistas argumentam que se trata apenas de um estilo de comunicação, com discurso mais brando, já que o programa do atual Reunião Nacional se mantém radical, com os mesmos fundamentos da época de seu pai e suas ideias ultraconservadoras.
O partido de Le Pen já vinha perdendo velocidade, com resultados decepcionantes nas últimas eleições municipais e regionais, onde não conseguiu conquistar nem uma região, contrariando as previsões.
Incitação ao ódio racial e religioso
Zemmour, que até setembro era colunista do Le Figaro e do canal de TV CNews - visto como uma emissora de opinião e não de notícias, onde ideias de extrema-direita têm amplo espaço - tem sido comparado a Jean-Marie Le Pen. Como o fundador do Front National, Zemmour acumula na Justiça processos por incitação ao ódio racial e religioso e discriminação racial, embora só tenha sido condenado duas vezes. O próprio Jean-Marie Le Pen declarou que votará no polemista se ele tiver mais chances do que sua filha na disputa eleitoral.
Zemmour deixou suas atividades jornalísticas para percorrer o país promovendo, em clima de pré-campanha eleitoral, o lançamento de seu livro A França não disse sua última palavra, que já vendeu cerca de 165 mil exemplares em apenas três semanas. No período de quase dois anos em que foi o principal comentarista de um programa da CNews, a audiência do horário foi multiplicada por dez.
Favorável "filosoficamente" à pena de morte, Zemmour coleciona declarações polêmicas, muitas delas alvo de ações na Justiça. Segundo ele, todos os muçulmanos considerariam os jihadistas que cometem atentados em nome da religião como "bons muçulmanos", os empregadores teriam o direito de recusar trabalhadores árabes ou negros e os imigrantes seriam todos "ladrões, assassinos e estupradores".
Na sua visão, os franceses também não poderiam ter o direito de dar nomes árabes aos seus filhos, como "Mohammed", o rap seria uma "subcultura de analfabetos" e o poder político deveria ficar apenas nas mãos de homens, caso contrário ele seria "dilapidado."
'Declínio francês'
Os principais responsáveis dos males da França, na visão de Zemmour, são a imigração e o islã. Ele vem ganhando espaço com suas declarações sobre o "declínio francês" e a difusão da teoria conspiratória chamada "grande substituição" ("grand remplacement"), propagada por movimentos de extrema-direita que defendem a identidade nacional.
Eles alardeiam que a população francesa e europeia se tornará minoritária em razão de políticas de imigração que tornarão os muçulmanos majoritários na Europa, o que provocaria grandes mudanças no modo de vida e na cultura ocidental.
Ele apresenta a França de um modo trágico, insistindo na ideia de que os franceses têm razão de ter medo. A França seria a vítima e, o islã, o agressor. Os atentados islamistas seriam uma "guerra de civilizações." O julgamento dos ataques de novembro de 2015 em Paris, que ocorre atualmente, irá se desenrolar durante todo o período da campanha eleitoral.
A perda de soberania da França é outro tema, ligado ao "declínio francês", explorado pelo polemista e que acabou ganhando destaque nesta campanha presidencial. Zemmour, Le Pen e candidatos potenciais ou declarados da direita republicana querem revisar a Constituição francesa em nome da "soberania nacional" e da luta contra a imigração e questionam o direito europeu, afirmando que a França deveria ter "liberdade de manobra" nessa questão.
Os temas explorados por Zemmour acabam encontrando eco em parte da população francesa que vê o futuro com pessimismo e medo. Antes da pandemia, a França já havia vivido durante meses violentos protestos dos chamados "coletes amarelos", que reivindicavam melhorias no nível de vida.
Uma pesquisa do instituto Ifop divulgada em julho revela que 72% dos franceses acredita que o país está efetivamente em declínio. Um estudo divulgado em abril, realizado pela Revista Política e Parlamentar e a consultoria Pollingvox, aponta que a grande maioria dos franceses vê como ameaça mais imediata a possibilidade de uma crise financeira com graves consequências sociais. Os problemas de delinquência e de imigração também estão entre os principais temores para mais de 70% dos franceses, de acordo com a publicação.
Para Bruno Cautrès, professor do Cevipof (Centro da Vida Política Francesa) da universidade Sciences Po, o surgimento da figura de um líder que se vê carismático e que aproveita momentos de crise para influenciar a população tem ocorrido em vários países. Ele cita os exemplos do presidente Jair Bolsonaro, do ex-presidente americano Donald Trump e do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán.
"Vemos essa tendência em inúmeras democracias que atravessam uma série de crises, sejam econômicas, de imigração, de Covid-19, que geram tensões nos eleitores e dão uma espécie de crédito às pessoas que manipulam os fatos, com uma grande capacidade para contar histórias aos cidadãos", afirmou à BBC News Brasil.
"Zemmour conseguiu captar algo na opinião pública, uma angústia em relação ao país e questionamentos sobre os problemas e dificuldades da França. Por que a crise dos coletes amarelos? Por que não havia máscaras no início da pandemia? Por que não há vacina francesa contra a Covid-19?", disse à BBC News Brasil Bruno Cautrès,
"Ele captou isso e propôs um diagnóstico", mas isso não é suficiente para ganhar uma eleição presidencial", acrescenta o cientista político.
Voto de protesto
A seis meses da eleição presidencial, Zemmour não tem programa nem partido e não se sabe o que ele pensa sobre outros temas que não sejam a imigração, o islã e a questão da identidade nacional. Ele tem ainda um grande desafio: conseguir reunir 500 assinaturas de políticos do país, geralmente prefeitos, para apresentar uma candidatura.
O polemista vem repetindo que Marine Le Pen não tem condições de ganhar a presidencial. Para Cautrès, esse argumento vale para o jornalista. "Quem tem a intenção de votar em Zemmour não é para presidente da República que eles votam. É a expressão de uma raiva contra a imigração."
A ascensão de Zemmour mostra, segundo Cautrès, que há um problema importante na estruturação da vida política francesa. "É como se o sistema partidário não conseguisse mais responder a um certo número de demandas e de desafios. Vemos que pessoas que se lançam individualmente conseguem perturbar consideravelmente o sistema partidário", diz ele.
O estudo da Revista Política e Parlamentar/Pollingvox revela que 72% dos franceses têm mais confiança em si mesmos ou em pessoas próximas do que nas autoridades públicas e no Estado para protegê-los. O principal sintoma dessa crise da democracia é a abstenção nas eleições. Para uma parte do eleitorado, os franceses teriam se tornado impotentes diante das instituições.
Zemmour tem movimentado as redes sociais, conquistando apoio entre jovens. O polemista diz se inspirar de Napoleão Bonaparte e é conhecido por citar inúmeras referências históricas que muitas vezes pegam seus interlocutores de surpresa, deixando-os sem reação.
Ele também interpreta à sua maneira eventos históricos com declarações polêmicas. Para Zemmour, que é judeu, o regime de Vichy, durante a ocupação nazista, teria protegido os judeus. A realidade histórica é que milhares de judeus da França foram enviados para campos de concentração. Ele foi absolvido em primeira instância no processo por negação de crime contra a humanidade.
As mudanças no cenário da eleição presidencial por conta da possível candidatura de Zemmour podem representar um problema para Macron, que teria sua presença assegurada no segundo turno, segundo todas as pesquisas. De acordo com analistas, o pior cenário para ele seria uma disputa final com o candidato da direita republicana, Xavier Bertrand. Nesse caso, Macron perderia eleitores da direita tradicional que ele vem se empenhando em conquistar durante seu mandato e correria o risco de não compensar isso com votos da esquerda.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!