Mais de uma dúzia de chefes de Estado e de Governo, como os da Jordânia, Azerbaijão, Quênia e Tchéquia, usaram paraísos fiscais para ocultar ativos de centenas de milhões de dólares, de acordo com uma nova investigação jornalística internacional divulgada neste domingo (3/10).
A investigação dos chamados "Pandora Papers" - envolvendo cerca de 600 jornalistas, inclusive do The Washington Post, BBC e The Guardian - se baseia no vazamento de cerca de 11,9 milhões de documentos de 14 empresas de serviços financeiros em todo o mundo.
Cerca de 35 atuais e antigos líderes são citados no mais recente e vasto acervo de documentos analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), enfrentando alegações que vão desde corrupção até lavagem de dinheiro e evasão fiscal global.
Na maioria dos países, enfatiza o ICIJ, não é ilegal ter ativos offshore ou usar empresas de fachada para fazer negócios além de suas fronteiras nacionais.
Porém, tais revelações não são menos embaraçosas para líderes que podem ter feito publicamente campanha contra a evasão fiscal e a corrupção, ou defendido medidas de austeridade em casa.
De acordo com esses documentos, o rei Abdullah II da Jordânia criou pelo menos 30 empresas offshore em países ou territórios com facilidades tributárias, por meio das quais comprou 14 propriedades de luxo nos Estados Unidos e no Reino Unido, por mais de 106 milhões de dólares.
Os advogados do rei Abdullah II disseram à BBC que todas as propriedades foram compradas com sua fortuna pessoal. Eles argumentaram que é comum entre personalidades importantes comprar propriedades por meio de companhias offshore por motivos de privacidade e segurança.
Parentes e sócios do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev - há muito acusado de corrupção no país da Ásia Central -, teriam secretamente participado de negócios imobiliários no Reino Unido na casa das centenas de milhões.
Os documentos também mostram como o primeiro-ministro da Tchéquia, Andrej Babis, colocou 22 milhões de dólares em empresas fantasmas que foram usadas para financiar a compra de um castelo no sul da França.
Tony Blair e Shakira
Ao todo, o ICIJ encontrou ligações entre quase 1.000 empresas offshore e 336 políticos e funcionários públicos do alto escalão, incluindo mais de uma dúzia de chefes de Estado e Governo, líderes de países, ministros, embaixadores e outros.
Mais de dois terços das empresas foram estabelecidas nas Ilhas Virgens Britânicas.
O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair - que tem sido um crítico das brechas fiscais - também aparece nos arquivos, que detalham como ele e sua esposa Cherie evitaram legalmente pagar impostos em uma propriedade multimilionária em Londres, ao comprar a companhia offshore que a possuía.
Além de políticos, estão entre as figuras públicas expostas a cantora colombiana Shakira, a modelo alemã Claudia Schiffer e a lenda indiana do críquete Sachin Tendulkar.
Outras revelações da investigação do ICIJ:
- Pessoas do círculo íntimo do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, incluindo ministros e seus familiares, são supostamente proprietários secretos de empresas e fundos fiduciários com milhões de dólares.
- O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não aparece diretamente nos documentos, mas está relacionado a ativos secretos em Mônaco por meio de associados.
- O presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, e seis membros de sua família seriam proprietários de uma rede de empresas em paraísos fiscais.
- O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, supostamente transferiu sua participação em uma empresa offshore secreta pouco antes de vencer as eleições de 2019.
- O ex-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, aparentemente pagou vários milhões de dólares em honorários de consultoria para uma empresa marroquina isenta de impostos.
Os "Pandora Papers" são os mais recentes de uma série de vazamentos em massa de documentos financeiros pelo ICIJ. Em 2016, os “Panama Papers” provocaram a renúncia do primeiro-ministro da Islândia e abriram caminho para o líder do Paquistão ser expulso. Eles foram seguidos pelos “Paradise Papers” em 2017 e os arquivos “FinCEN” em 2020.
Os documentos por trás desta última investigação foram extraídos de empresas de serviços financeiros em países como as Ilhas Virgens Britânicas, Panamá, Belize, Chipre, Emirados Árabes Unidos, Cingapura e Suíça.