Desde 19 de setembro, 4.300 haitianos deportados pelos Estados Unidos desembarcaram em Porto Príncipe, capital do Haiti. “Dentro desse grupo, encontramos 30 crianças com passaporte brasileiro, filhas de pais e de mães haitianos”, afirmou ao Correio, por telefone, Giuseppe Loprete, chefe da Missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM) no Haiti — agência da Organização das Nações Unidas (ONU).
De acordo com ele, todos os menores nascidos no Brasil têm entre 3 e 4 anos e estavam acampados na região de Del Rio, no Texas, após atravessarem a fronteira entre EUA e México. “A Embaixada do Brasil no Haiti foi informada sobre a situação. Nós temos feito tudo o que podemos para acompanhar o caso de cada uma das famílias”, acrescentou Loprete.
Procurado pela reportagem, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro confirmou que foi comunicado pelo Escritório da OIM no Haiti sobre a existência de menores com passaporte brasileiro, entre os milhares de haitianos recentemente deportados de volta ao país caribenho.
“A Embaixada do Brasil em Porto Príncipe está em contato com a OIM, com vistas a analisar a situação desses menores e de seus responsáveis legais, todos cidadãos haitianos, a fim de prestar-lhes a assistência cabível”, afirmou o Itamaraty.
De acordo com Loprete, as crianças brasileiras chegaram ao Haiti em boas condições e passaram por uma triagem para avaliação da saúde no Aeroporto Internacional Toussaint Louverture, em Porto Príncipe. A OIM disponibilizou ambulâncias e equipes da Cruz Vermelha Internacional. “Também colocamos de prontidão médicos e pessoal de apoio, como psicólogos.
Toda a estrutura está ativada no aeroporto, a fim de prestarmos a assistência necessária. As crianças brasileiras estão acompanhadas de suas respectivas famílias e estão em território haitiano há alguns dias. Temos mantido contato com elas”, comentou o chefe da Missão da OIM em Porto Príncipe.
Ainda segundo Loprete, a decisão de realizar expulsões rápidas, envolvendo até 800 migrantes por dia, foi tomada pelos Estados Unidos e comunicada ao governo do Haiti, que, por sua vez, aceitou recebê-los. “Existe uma necessidade humanitária imediata de assistência a essas pessoas. A operação é decidida e coordenada pelos governos norte-americano e haitiano”, disse.
“Nas conversas que mantive com as autoridades daqui, a posição oficial é a de que esses migrantes são cidadãos do Haiti; por isso, são tratados como irmãos e irmãs pelo governo, que espera recebê-los da melhor maneira possível.”
Tratativas
Loprete lembra que, em casos de deportação sumária, o devido processo legal e questões humanitárias precisam ser respeitados. “Eu informei pessoalmente ao embaixador brasileiro no Haiti, Marcelo Baumbach, à embaixada e seus assessores consulares.
Identificamos passaportes do Brasil com essas crianças. É possível que encontremos mais casos como estes, pois, a cada dia, famílias deportadas desembarcam em Porto Príncipe”, admitiu. Ele explicou que muitas dessas famílias de haitianos viveram por entre três e cinco anos em vários países da América do Sul e da América Central, como Brasil, Chile, Panamá, Venezuela e Colômbia.
“Os próprios migrantes me contaram que, durante a maior parte do tempo, buscaram abrigo nos territórios brasileiro e chileno”, acrescentou.
O chefe da Missão da OIM no Haiti assegurou estar em constante comunicação com os deportados para saber se precisam de proteção, de ajuda humanitária ou de assistência médica. “Temos um número de telefone gratuito, a fim de que eles possam nos chamar. Disponibilizamos psicólogos e outros agentes de proteção, que estão ao telefone 24 horas por dia para falar com migrantes”, disse.
Ele explicou que, nessas situações, torna-se crucial identificar soluções realistas. “Por várias razões, como a insegurança e a crise humanitária, o Haiti passa por um momento bastante difícil. Essas pessoas precisam de muita ajuda, especialmente as crianças. Por isso, a OIM e nossos parceiros estamos comprometidos com nosso trabalho. Sem essa assistência, os migrantes estariam numa situação muito mais difícil e, talvez, impossível.”
Por uma das rotas mais perigosas do planeta
A travessia pela Floresta de Darién, na fronteira da Colômbia com o Panamá, dura entre cinco e 10 dias. Haitianos têm se arriscado nesta rota repleta de perigos. Além de organizações criminosas, guerrilheiros colombianos e estupradores realizam emboscadas em uma área de mata densa equivalente a 575 mil campos de futebol.
Pelo caminho, a própria selva impõe uma série de desafios e ameaças: serpentes peçonhentas, rãs venenosas, onças, escorpiões e crocodilos. Muitos migrantes precisam enfrentar, também, as altas temperaturas, a umidade, as fortes correntezas de rios, além da falta de água e de comida.
Em média, eles gastam US$ 1.500 no trajeto até os Estados Unidos, em busca do “sonho americano”. No trecho da Floresta de Darién, o custo para dispor de guias é de US$ 300 por migrante, além de US$ 30 por transporte de bagagem.
» Eu acho...
“É uma situação difícil, sob os pontos de vista político, logístico e de direitos humanos. A decisão foi tomada pelos EUA e comunicada ao Haiti. É o mínimo necessário para começarmos uma operação desta envergadura e com tanta rapidez. Em pouco mais de uma semana, 4.300 migrantes chegaram e esperamos mais voos charter nas próximas semanas. Pedimos a Porto Príncipe que respeite os direitos dos migrantes e facilitem soluções que não os ponham em perigo.”
Giuseppe Loprete, chefe da Missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM) no Haiti
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