Etíopes estão comemorando o início de um novo ano com várias festividades, apesar das dificuldades causadas pela inflação, a guerra e a fome no país. Saiba mais sobre o calendário único da Etiópia e sua herança cultural.
1) O ano dura 13 meses
Além do ano ter um mês a mais, o calendário etíope está sete anos e oito meses atrás do calendário ocidental, portanto, no dia 12 deste mês teve início o ano de 2014.
Isso porque a Etiópia calcula o ano de nascimento de Jesus Cristo de maneira diferente. Quando a Igreja Católica retificou o seu cálculo no ano 500 d.C., a Igreja Ortodoxa Etíope não fez o mesmo.
Portanto, o Ano Novo para os etíopes cai no dia 11 de setembro ou 12 de setembro em anos bissextos (que tem um dia a mais no calendário).
Diferentemente, do calendário ocidental, em que há meses com 31 dias e outros com 30, além de fevereiro, que é mais curto, o calendário etíope é mais simples: há 12 meses com 30 dias, e um décimo terceiro mês — o último do ano — com cinco ou seis dias, dependendo se é ou não ano bissexto.
O tempo também é contado de maneira diferente, com o dia dividido em turnos de 12 horas, começando às 6h, o que faz com que meio-dia e meia-noite caiam às 18h ou 6h, no horário etíope.
Portanto, se alguém combina de te encontrar em Addis Ababa (capital da Etiópia) às 10h para um café, não se surpreenda se ele aparecer às 16h.
2) É o único país africano que nunca foi colonizado
A Itália tentou invadir a Etiópia, ou Abissínia, como era conhecida, em 1895, quando nações europeias disputavam o continente africano entre si, mas sofreu uma derrota humilhante. A Itália conseguiu colonizar a vizinha Eritreia depois que uma empresa naval italiana comprou o porto de Assab, no Mar Vermelho. A confusão provocada com a morte em 1889 do imperador etíope Yohannes 4º permitiu que a Itália ocupasse as planícies do país ao longo da costa.
Mas alguns anos depois, quando a Itália tentou adentrar pelo território etíope, foi impedida na Batalha de Adwa. Quatro brigadas de tropas italianas foram derrotadas em questão de horas em 1º março de 1896 por forças etíopes comandadas pelo imperador Menelik 2º.
A Itália foi forçada a assinar um tratado reconhecendo a independência da Etiópia, embora, décadas depois, o líder fascista Benito Mussolini tenha violado o acordo, ocupando o país por cinco anos.
Um dos sucessores de Menelik, o imperador Haile Selassie, se aproveitou da vitória sobre a Itália e pressionou pela criação da Organização para a União Africana (OAU), agora chamada de União Africana, que tem sua sede na capital da Etiópia, Addis Ababa.
"Nossa liberdade não tem sentido até que todos os africanos sejam livres", disse Selassie no lançamento da OAU em 1963, num momento em que boa parte do continente ainda permanecia sob domínio de potências europeias.
Ele convidou aqueles que lideravam a luta contra o colonialismo para um treinamento, entre eles Nelson Mandela, que liderou a luta contra o Apartheid na África do Sul. Mandela recebeu um passaporte etíope, permitindo-lhe viajar pela África em 1962.
"Senti que visitaria minha própria gênese, desenterrando as raízes do que me tornou um africano", disse Mandela anos depois dessa viagem.
3) Rastafáris adoram o imperador Haile Selassie
Essa crença tem origem numa fala de 1920 atribuída ao influente ativista jamaicano pelos direitos dos negros Marcus Garvey, que está por trás do movimento Back to Africa (De Volta à África): "Olhe para a África, quando um rei negro será coroado, pois o dia da libertação está próximo."
Uma década depois, quando Ras Tafari (ou Chefe Tafari), de 38 anos, foi coroado na Etiópia como Haile Selassie 1º, muitos na Jamaica enxergaram isso como uma profecia se realizando. E assim nasceu o movimento Rastafári.
A lenda do cantor de reggae Bob Marley foi instrumental em espalhar a mensagem Rastafári. A música dele "Guerra" ("War", em inglês) menciona o discurso do imperador etíope na Assembleia-Geral das Nações Unidas em 1963, pedindo paz mundial: "Até que a filosofia que acredita que uma raça é superior e outra é inferior seja permanentemente desacreditada e abandonada... Até que esse dia chegue, o continente africano não conhecerá a paz."
O disco "Exodus", de Bob Marley, descrito pela revista americana Time como o álbum do século 20, reflete o desejo dos rastafáris de retornar à África, continente que milhões de pessoas foram forçadas a deixar durante o tráfico transatlântico de escravos.
Até hoje, uma pequena comunidade rastafári vive na cidade etíope de Shashamene, 225 km ao sul de Addis Abeba, em terras concedidas por Selassie aos negros do Ocidente que o apoiaram contra Mussolini.
Selassie, um cristão ortodoxo, pode não ter sido um seguidor da filosofia Rastafári. Ele destacava que não era imortal, mas os rastafáris ainda o reverenciam como o "Leão de Judá".
Esta é uma referência à suposta linhagem de Selassie, que rastafáris e muitos etíopes acreditam que pode ser rastreada até o rei Salomão bíblico.
4) É o lar da Arca da Aliança
Para muitos etíopes, o baú sagrado contendo as duas tábuas com os Dez Mandamentos que a bíblia diz que foram dados a Moisés por Deus não está desaparecido — o Indiana Jones de Hollywood só precisava ter ido à cidade de Aksum para encontrá-lo.
A Igreja Ortodoxa Etíope afirma que a arca está sob vigilância constante no terreno da Igreja Nossa Senhora Maria de Sião de Aksum. Ninguém tem permissão para ver a arca.
Diz a tradição que a igreja possui esta preciosa relíquia graças à Rainha de Sabá, cuja existência é contestada pelos historiadores, mas não por grande parte dos etíopes.
Eles acreditam que ela viajou de Aksum a Jerusalém para visitar o rei Salomão e descobrir mais sobre sua suposta sabedoria por volta de 950 a.C.
A história de sua jornada e sedução por Salomão são detalhadas no épico Kebra Nagast (Glória dos Reis), uma obra literária etíope escrita na língua Ge'ez no século 14.
A obra conta como Makeda, a Rainha de Sabá, deu à luz um filho: Menelik (que significa Filho dos Sábios). E como anos depois, ele viajou a Jerusalém para encontrar seu pai.
Salomão queria que ele ficasse e governasse após sua morte, mas concordou com o desejo do jovem de voltar para casa, mandando-o de volta com um contingente de israelitas. Um deles roubou a arca, substituindo a original por uma falsificação.
Quando Menelik descobriu, ele concordou em manter a arca, acreditando ser a vontade de Deus que ficasse na Etiópia. Até os dias de hoje, para os cristãos ortodoxos do país, a arca é sagrada e algo a que eles ainda estão dispostos a proteger com suas vidas.
Isso ficou evidente no ano passado, quando, durante o conflito que eclodiu na região norte da Etiópia, soldados da Eritreia supostamente tentaram saquear a Igreja Nossa Senhora de Sião após um massacre horrível.
Um funcionário público da cidade disse à BBC que jovens correram para o local para proteger a arca: "Todos os homens e mulheres lutaram contra eles. Eles atiraram e mataram alguns, mas estamos felizes porque não deixamos de proteger nossos tesouros. "
5) É também lar de muçulmanos
"Se você for para a Abissínia, encontrará um rei que não tolerará a injustiça", disse o profeta Mohammed a seus seguidores quando eles enfrentaram a perseguição pela primeira vez na Meca do século 7, na atual Arábia Saudita.
Isso foi na época em que o profeta havia acabado de começar seus sermões, que se tornaram tão populares que ele foi visto como uma ameaça pelos governantes não muçulmanos da região.
Seguindo seu conselho, um pequeno grupo partiu para o Reino de Aksum, que então cobria grande parte da atual Etiópia e Eritreia, onde realmente foram bem recebidos e autorizados a praticar sua religião pelo monarca cristão Armah, cujo título real em Ge ' ez era Negus, ou Negashi em árabe.
Acredita-se que esses migrantes tenham se estabelecido na aldeia de Negash (atual Tigré). Ali, teriam se estabelecido e construído aquela que é considerada a mesquita mais antiga da África. No ano passado, a mesquita al-Negashi foi bombardeada durante os combates em Tigré.
Os muçulmanos locais acreditam que 15 discípulos do profeta também estão enterrados em Negash. Na história islâmica, essa mudança para Aksum ficou conhecida como a primeira Hijra ou "migração".
Atualmente, os muçulmanos compõem 34% dos mais de 115 milhões de habitantes da Etiópia.
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