Para Fidel, os indígenas mexicanos sofrem mais hoje do que no tempo da Colônia por causa da pobreza e dos megaprojetos. Por isso, enquanto o país celebra 200 anos da Independência, alguns garantem que "não há nada para comemorar".
O aniversário da libertação da coroa espanhola encontra povos ancestrais imersos em conflitos pela defesa da água e de seus territórios, que, às vezes, degeneram em ameaças contra seus líderes.
Para impedir o que denunciam como superexploração no estado de Puebla (região central), Fidel Flores e centenas de indígenas nahua ocuparam um poço de água que era operado pela engarrafadora Bonafont, de propriedade da francesa Danone, desde 8 de agosto.
Bonafont "sente-se dona" da água, devido às "concessões dadas pelo governo, mas (esse recurso) é uma dádiva divina", reclama Flores, de 74 anos.
Na entrada das instalações, na região dos majestosos vulcões Iztaccíhuatl e Popocatépetl, os manifestantes colocaram pneus de automóveis.
"Quem tentar lucrar com a água receberá o castigo dos povos!", avisa um cartaz.
Flores garante que, antes da "ocupação pacífica" no município de Juan C. Bonilla, as comunidades denunciaram o caso às autoridades, porque outros poços estavam secando, mas foram ignorados.
"Estamos sofrendo mais do que na época colonial", afirma, destacando que, à época, os índios não precisavam lutar pela proteção dos recursos naturais.
A empresa Bonafont disse à AFP que o poço operado "está desconectado das fontes de água superficiais usadas pela comunidade".
Pobreza crônica
Hoje, 69,5% dos indígenas mexicanos, cerca de 8,4 milhões de pessoas, vivem na pobreza, em comparação com 39% (44 milhões de pessoas) entre a população não indígena, mostra um estudo de 2018 do Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (Coneval).
A diferença é ainda mais marcante quando se analisa a pobreza extrema, que atinge 28% dos indígenas (3,4 milhões), e 5,3%, dos não indígenas (5,9 milhões).
Os números podem ser mais dramáticos, se considerarmos que o Instituto Nacional dos Povos Indígenas (INPI) estima o número de membros dessas comunidades em 25 milhões, em torno de 20% da população mexicana.
O presidente Andrés Manuel López Obrador, que assumiu o cargo em 2018 com uma cerimônia indígena, fala com frequência desses povos em seus discursos.
Ele se desculpou pelos erros históricos e destacou que estados com grande população indígena, como Oaxaca (sudoeste), recebem mais investimento social do que muitos outros.
Algumas comunidades denunciam, no entanto, que suas condições de vida pioraram com as obras de infraestrutura promovidas pelo presidente.
Após o levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) em 1994, várias reformas permitiram a criação de governos indígenas autônomos.
Em algumas regiões, porém, as administrações ainda não reconhecem direitos como o acesso à educação em sua língua.
As repartições públicas agora funcionam como dormitórios. No estacionamento, foi construído um forno de tortilhas e instalada uma oficina de artesanato.
É o prédio do INPI na Cidade do México, cujos seis andares são ocupados por cerca de 500 famílias otomis desde 12 de outubro de 2020. Elas reivindicam moradia.
"O governo nunca quis nos ouvir, são anos de espera, de bater à porta, de fingir que nos escutam", queixa-se Isabel Valencia, 54, natural de Amealco (Querétaro, centro).
"Eles nos obrigam a vir aqui", justifica, após percorrer os gabinetes de funcionários de alto escalão do INPI, nos quais, garante ela, nunca foram recebidos.
Nenhum porta-voz do governo respondeu aos pedidos de entrevista da AFP para discutir esta ocupação.
Indígenas do sudeste do país também estão incomodados com o Trem Maia, um projeto turístico de 1.500 quilômetros que percorrerá a Península de Yucatán.
"Vai destruir o meio ambiente, mas o presidente está determinado, não liga para a nossa opinião", diz Pedro Uc, da Assembleia dos Defensores do Território Muuch 'Xíinbal Maya.
"Tudo isso de tirar os indígenas da marginalização ficou apenas no discurso", porque os povos continuam "na pobreza, no racismo e no desprezo", acrescenta Uc.
Ameaçado de morte em 2019 por pessoas desconhecidas, Uc afirma, de forma categórica, que seu povo "não tem nada para comemorar" neste bicentenário.
López Obrador pediu ao governo da Espanha e ao Vaticano que se desculpem pelos abusos cometidos durante a conquista e a evangelização no México.
O especialista em questões indígenas Federico Navarrete, da Universidade Nacional Autônoma do México, avalia, no entanto, que a retórica do presidente "contradiz sua busca por desenvolvimento econômico em termos capitalistas convencionais".