Alemanha

Angela Merkel e sua identificação tardia com a luta feminista

Somente em 2020 o governo concordou com a introdução de uma cota obrigatória para mulheres nos conselhos de administração

Angela Merkel quebrou um teto de vidro e se estabeleceu como uma das pessoas mais influentes do planeta ao se tornar a primeira mulher chanceler da história da Alemanha. Mas o feminismo não era uma prioridade para ela.

Na verdade, foi praticamente no final de seu mandato de 16 anos que ela se atreveu a dizer: "sou feminista".

Ela declarou isso no início de setembro, em um encontro com a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Nessa reunião, a líder de 67 anos reconheceu ter sido "tímida" sobre o assunto no passado, mas que sua posição evoluiu.

"Em princípio, (o feminismo consiste) essencialmente em dizer que homens e mulheres são iguais, no sentido de participarem da vida social", afirmou.

Esse compromisso tardio foi recebido como "um tapa na cara" para as mulheres, segundo a a diretora da Fundação Gunda Werner e especialista no estudo do feminismo e gênero, Ines Kappert.

"Ela teve 16 anos para ouvir as feministas e melhorar a situação das mulheres na Alemanha, mas decidiu não fazer isso", disse à AFP.

Reformas por fazer

Embora a trajetória de Merkel "mereça respeito", acredita que falhou em usar sua influência para promover mudanças estruturais em favor das mulheres na sociedade alemã, comentou Kappert.

A disparidade salarial entre homens e mulheres nesse país continua a ser uma das mais altas da União Europeia (19%, em 2019). Isso acontece, em parte, porque muitas alemãs ainda trabalham em meio período.

Os conservadores do partido de Merkel não deram ouvidos aos apelos por uma reforma do sistema tributário favorável aos casais. Isso desestimula o cônjuge que ganha menos, geralmente a esposa, a trabalhar em tempo integral.

Somente em 2020 o governo concordou com a introdução de uma cota obrigatória para mulheres nos conselhos de administração. Esta foi uma reforma promovida pelos sociais-democratas, parceiros da coalizão de Merkel.

Hoje, o Bundestag (a Câmara baixa alemã) tem menos mulheres parlamentares do que no início da era Merkel, com 32% alcançados em 2005 contra atuais 31%. O máximo foi em 2013, com 36% de mulheres na Casa.

Uma mulher entre homens

Merkel cresceu na antiga Alemanha Oriental comunista, onde os serviços gratuitos de creche permitiam que as mulheres trabalhassem, e a igualdade de remuneração estava consagrada na Constituição.

Recentemente, declarou que foi graças aos estudos de física que conseguiu prevalecer, lembrando-se dos empurrões necessários para conseguir uma mesa durante os experimentos.

Merkel "descobriu o feminismo no final de sua gestão", afirma a cientista política e vice-diretora do German Marshall Fund, Sudha David-Wilp, apontando para circunstâncias atenuantes.

"Está concentrada na solução de crise atrás de crise", explica.

Conhecida por seu sangue frio, a chanceler sempre se manteve firme perante interlocutores que tentavam impor sua virilidade, como o turco Recep Tayyip Erdogan, o americano Donald Trump e o russo Vladimir Putin.

Durante seu mandato, Ursula von der Leyen, sua ex-ministra da Defesa, tornou-se a primeira mulher presidente da Comissão Europeia. Sua atual ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, foi brevemente apresentada como sua sucessora, até que alguns erros prejudicaram sua imagem.

Isso "não é suficiente", diz Kappert, que acredita que a chanceler deveria ter favorecido o surgimento de mulheres políticas progressistas e feministas.

Agora, seu partido, a CDU, está experimentando "um retorno ao bastão patriarcal", com "homens supersexistas e conservadores retornando à cena".

Angela Merkel é feminista?

"Sim e não", respondeu Alice Schwarzer, uma proeminente figura do feminismo alemão, em entrevista à revista Der Spiegel.

"Não, porque acho que ela não se sente confortável com o feminismo, ou, pelo menos, com a forma como ela o imagina. Mas, sim, em suas ações. Sua vida. Seu destino. Seu sucesso", explicou.

Em queda nas pesquisas, seu herdeiro e candidato à liderança do partido conservador, Armin Laschet, declarou recentemente que um chanceler poderia desempenhar um papel fundamental na igualdade de gênero, "talvez um homem, mais do que uma mulher".