JAPÃO

Entenda por que o premiê japonês renunciou ao cargo

Yoshihide Suga desiste de concorrer à eleição interna do governista Partido Liberal Democrata, o que implica no abandono do cargo de primeiro-ministro. Decisão causa surpresa em Tóquio e ocorre em meio aos Jogos Paralímpicos

A insatisfação pessoal com a resposta à pandemia da covid-19 levou o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, a desistir de comandar o seu Partido Liberal Democrata (PLD) nas eleições internas de 29 de setembro. Com a decisão, ele também deixará o cargo de premiê. “Quero me concentrar nos esforços para combater o coronavírus e é por isso que não vou concorrer às eleições”, afirmou Suga. “Percebi que não poderia fazer as duas coisas; tive que escolher”, acrescentou o chefe de governo, em referência ao combate à pandemia e aos esforços pela releição no PLD. A opção de Suga foi anunciada aos líderes de seu partido e provocou um terremoto político em Tóquio, a dois dias do fim da Jogos Paralímpicos.


“Honestamente, estou surpreso”, reagiu Toshihiro Nikai, número dois do PLD. “É realmente lamentável, mas ele fez o que acreditava ser melhor, após uma longa reflexão”, acrescentou. Suga foi alçado à chefia de governo em 14 de setembro de 2020, depois da renúncia do primeiro-ministro Shinzo Abe, acometido por problemas de saúde. Segundo a agência de notícias France-Presse (AFP), como não existe nenhum outro partido capaz de rivalizar com o PLD (direita nacionalista), o novo líder da legenda será quase que automaticamente nomeado primeiro-ministro.


Subdiretora do Programa de Liderança Estratégica EUA-Japão do Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS, em Washington), Yuko Nakano explicou ao Correio que existiam indícios de que Suga enfrentava uma batalha árdua, incluindo a contínua tendência de queda do índice de aprovação do gabinete, o aumento nos casos de infecção pela covid-19 e a derrota nas eleições locais. “Além disso, muitas das facções dentro do PLD não puderam anunciar o apoio à reeleição de Suga como presidente do partido, embora os líderes delas tivessem expressado, anteriormente, apoio ao premiê”, admitiu.


Nakano lembrou que somente o ex-chanceler Fumio Kishida (veja quadro) anunciou sua candidatura, enquanto outros se abstiveram de fazê-lo, enquanto se esperava que Suga se postulasse à reeleição. “Agora, o cenário político mudou. Taro Kono, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa sob o governo do premiê Shinzo Abe, atualmente na supervisão do programa de imunização contra a covid-19, está considerando se participará da disputa. Outros nomes incluem os ex-ministros Shigeru Ishiba (Defesa) e Sanae Takaichi (Comunicações). É preciso superar 20 cossignatários para ser nomeado candidato, o que é um grande obstáculo”, disse a estudiosa. “Nós esperamos ver muitos movimentos até 29 de setembro. Os candidatos à posição de liderança do PLD apresentarão formalmente a candidatura até 17 de setembro, quando a campanha oficialmente começará.”


A decisão de Yoshihide Suga, 72 anos, lembra as adotadas por outros chefes de governo anteriores. Segundo a AFP, o premiê era considerado o principal nome para comandar o partido por mais um mandato, ainda que as pesquisas apontassem um aumento de sua impopularidade. No fim de agosto, tinha apenas 26% de opiniões positivas, apontou o jornal Mainichi — um recorde negativo.

Covid-19


O prestígio político de Suga foi afetado após decisões durante a gestão da pandemia da covid-19, pelas quais o premiê recebeu muitas críticas. Nos últimos três meses, o Japão registrou índices altos de casos da doença, chegando a 20 mil diários. O primeiro-ministro foi lento na implementação de uma campanha de imunização e chegou a decretar estado de emergência em várias oportunidades. A decisão de não adiar a Olimpíada e os Jogos Paralímpicos também custou-lhe popularidade — a maioria da população japonesa se opunha à realização dos eventos.


Experiente e pragmático, Suga não descuidou do impulso econômico obtido durante a gestão de Abe. Também manteve foco nas questões ambientais e preservou a diplomacia do antecessor. Filho de um fruticultor e de uma professora, Suga foi criado na zona rual de Akita, no norte do Japão, e trabalhou em uma fábrica para custear os próprios estudos. A carreira política começou em 1987, quando foi eleito membro da Câmara Municipal de Yokohama e ingressou no Parlamento em 1996.

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“Havia o receio, especialmente entre os membros mais jovens do Partido Liberal Democrata (PLD), de que a presença de Yoshihide Suga na chapa levaria a uma batalha muito dura na eleição da Câmara Baixa. O anúncio de que ele não disputará a reeleição surpreendeu muitos japoneses.”
Yuko Nakano, subdiretora do Programa de Liderança Estratégica EUA-Japão do Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS, em Washington)


“Quero me concentrar nos esforços para combater o coronavírus e é por isso que não vou concorrer às eleições”
Yoshihide Suga, primeiro-ministro do Japão

 
» Prováveis sucessores

Quem são os potenciais nomes para ocupar o cargo do Partido Liberal Democrata (PLD), após as eleições de 29 de setembro

Fumio Kishida, o moderado
Aos 64 anos, foi o primeiro, e até o momento o único, a anunciar oficialmente sua candidatura à presidência do PLD. Ex-ministro das Relações Exteriores (2012-2017), considerado pouco carismático e favorito do então primeiro-ministro Shinzo Abe, disputou a última eleição interna do PLD há um ano, que terminou com a vitória de Suga. A condição de “moderado” o coloca como favorito.

Taro Kono, o comunicativo
Ex-ministro das Relações Exteriores (2017-2019), da Defesa (2019-2020) e atualmente titular da pasta da Reforma Administrativa, Taro Kono, 58 anos, é um usuário entusiasta do Twitter. Sua conta em japonês é seguida por 2,3 milhões de assinantes. Formado pela prestigiosa American University of Georgetown, ele se comunica confortavelmente em inglês, uma raridade no mundo político japonês. É apreciado pelos círculos empresariais e esteve à frente da campanha nacional de vacinação.

Shigeru Ishiba, o populista
Ex-ministro da Defesa (2007-2008) e especialista em assuntos militares, já ocupou outras pastas e foi secretário-geral do PLD entre 2012 e 2014. O ex-banqueiro de 64 anos tem o apoio da opinião pública, mas, dentro do seu próprio partido, alguns não apreciam as suas frequentes mudanças de lado e as suas declarações a portas fechadas. Como Kishida, Ishiba foi um candidato na eleição interna anterior do PDL em setembro de 2020.