A tensão reina nesta quinta-feira (23) em um acampamento de migrantes haitianos na mexicana Ciudad Acuña (fronteiriça com os Estados Unidos), após a inesperada chegada de dezenas de policiais mexicanos e diante da perspectiva de que seus ocupantes tenham que deixá-lo.
"Por que estão com policiais? Por que estão estacionados lá fora? Vão nos deportar ou expulsar daqui?", perguntou, angustiado, um homem após a chegada de meia centena de patrulhas nas imediações de um parque, com mais de uma centena de agentes e três ônibus antes do amanhecer, comprovou a AFP.
A operação foi lançada depois que o Instituto Nacional de Migração (INM) anunciou que os estrangeiros devem retornar aos locais onde apresentaram suas solicitações de refúgio no México.
"Deverão continuar estes trâmites junto às instâncias correspondentes na entidade onde foram iniciados", declarou horas antes em Ciudad Acuña (norte) o comissário nacional do INM, Francisco Garduño.
Esta medida obriga muitos a voltar à cidade de Tapachula, na fronteira sul com a Guatemala, colapsada por dezenas de milhares de centro-africanos e haitianos que pedem refúgio ao México.
Este status permite-lhes permanecer legalmente no país e não ser deportados, à espera de poder cruzar aos Estados Unidos.
Mas muitos migrantes que levavam meses esperando resposta à sua solicitação em Tapachula decidiram continuar sua marcha rumo a Ciudad Acuña, onde centenas acampam em um parque ou debaixo de uma ponte fronteiriça.
Pelo menos outros 19.000 haitianos, a maioria procedente do Brasil e do Chile, estão bloqueados na fronteira entre a Colômbia e o Panamá, esperando continuar sua viagem pela selva de Darién, onde operam traficantes de drogas do Cartel do Golfo.
Racha no governo Biden
A crise migratória impactou em cheio o governo dos Estados Unidos, após a renúncia nesta quinta-feira de seu enviado especial ao Haiti, em repúdio às deportações de haitianos.
"Não vou me associar com a decisão desumana e contraproducente dos Estados Unidos de deportar milhares de refugiados e migrantes ilegais haitianos ao Haiti", disse o enviado especial do Departamento de Estado, Daniel Foote, em sua carta de renúncia.
Washington começou a deportar na semana passada por via aérea centenas de haitianos que tinham entrado nos Estados Unidos procedentes do México.
O Haiti está mergulhado na pobreza e no caos, uma situação que se agravou com um terremoto recente e o assassinato do presidente haitiano, Jovenel Moïse, em 7 de julho passado.
"Há uma situação muito difícil, de instabilidade e violência, isso tem que ser levado em consideração", afirmou nesta quinta o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, em sua conferência matinal.
O presidente esquerdista comentou que o contexto é tão crítico que depois de um mês, seu governo não conseguiu concluir o desembarque de 1.000 toneladas de ajuda humanitária que enviou ao Haiti, devido a desordem e tiroteios.
Seu chanceler, Marcelo Ebrard, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, e os chanceleres centro-americanos abordarão o tema nesta quinta-feira, em Nova York, à margem da Assembleia Geral da ONU.
"Não tenho nada no meu país"
O comboio policial instalou-se nesta quinta ao longo da margem do rio Bravo, por onde centenas de haitianos vão e vêm diariamente entre os dois países, levando alimentos e provisões. No entanto, não houve um desalojamento.
Funcionários do INM estiveram presentes nos primeiros momentos da operação, mas se retiraram em seguida.
Diante da movimentação, os haitianos acordaram alarmados. "Não tenho nada no meu país, o que vou fazer?", disse, à beira das lágrimas, uma haitiana que se identificou como Sonia.
A AFP constatou que na margem ainda se permite a travessia de haitianos. Alguns passam do México aos Estados Unidos, levando seus filhos nos ombros e transportando seus pertencentes em mochilas e bolsas.
Um agente policial comentou à AFP que só lhes pediram para estar presentes neste ponto e que não receberam ordens para deter ninguém.
Uma fila de veículos da patrulha fronteiriça americana permanecia estacionada do outro lado do rio, com seus agentes vigilantes, mas sem impedir a travessia dos haitianos.
Enquanto isso, um helicóptero sobrevoava constantemente a área, enquanto outro contingente policial fechou o acesso ao parque, restringindo a entrada de mais pessoas ou veículos.
A nova onda migratória explodiu depois que Washington ampliou a vigência do Estatuto de Proteção Temporária (TPS) para os haitianos que estavam nos Estados Unidos antes de 30 de julho.
Como ocorreu no fim de 2020, após a eleição do presidente Joe Biden, esta decisão provocou um efeito manada, que impulsionou milhares a se lançarem em uma corrida para a fronteira com os Estados Unidos.
Saiba Mais
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.