Esgotados por meses de viagem pela América Central e o México, famílias haitianas expulsas em massa do Texas precisam lutar contra a raiva pelo tratamento que receberam lá e pela angústia de voltar a viver em seu país sob a ameaça da violência das gangues.
Os Estados Unidos suspenderam as expulsões de migrantes haitianos em situação irregular após o terremoto que devastou grande parte do país caribenho em 14 de agosto, mas a concentração em poucos dias de mais de 15 mil migrantes, a maioria haitianos, sob uma ponte no Texas levou a uma mudança nas diretrizes.
Em menos de duas horas, três voos saídos do Texas pousaram no aeroporto de Porto Príncipe no domingo, um fluxo inédito que se mostrou um desafio para as autoridades aeroportuárias haitianas.
"Biden sabe o que está fazendo, mas não se importa. Trata a nós e aos nossos filhos pior do que animais", gritou uma mulher em prantos ao descer do ônibus que a pegou na pista.
Ela e os demais expulsos expressaram sua frustração e fúria com os funcionários administrativos e os fotógrafos da imprensa, que receberam ordens de não tirar fotos.
Em relação à mulher, alguns homens concordaram em relatar as condições do centro administrado pela agência de migração americana perto da ponte na pequena cidade fronteiriça de Del Río, onde passaram várias noites depois de cruzar o Rio Grande partindo de Ciudad Acuña, no México.
Sem camas, nem chuveiros
“Não tínhamos camas para dormir, dormíamos apenas com um fino lençol de plástico para nos cobrir, em um espaço com ar condicionado demais. E dormíamos no chão de concreto”, conta Garry Momplaisir, que passou cinco dias no local.
"Não podíamos tomar banho. Havia banheiros, mas não havia lugar para nos lavarmos", acrescenta este homem de 26 anos que foi expulso com sua esposa e sua filha de 5 anos.
Enquanto avançava o processo de registro pelas autoridades haitianas em sua chegada, muitos pais aproveitaram a espera para dar banho em seus filhos menores nos banheiros das instalações.
De acordo com os registros dos três voos acessados pela AFP, quase metade dos 327 haitianos expulsos pelos Estados Unidos no domingo tinha menos de 5 anos e todos nasceram fora do Haiti.
Antes de chegar à fronteira entre o México e os EUA, esses haitianos viveram durante vários anos no Brasil e no Chile, para onde haviam migrado entre 2016 e 2017.
“Em Santiago, eu tinha um pequeno negócio, meu marido trabalhava. Conseguimos juntar dinheiro: foi isso que nos permitiu viajar para os Estados Unidos”, explica uma mulher que se identifica como Jeanne após se recusar a revelar seu nome verdadeiro.
Com Maël, seu filho de três anos com passaporte chileno, Jeanne e seu marido cruzaram a América do Sul em dois meses, em uma rota migratória considerada pelas organizações humanitárias como uma das mais perigosas.
Uma jornada de horror
“É uma coisa inexplicável. Ninguém pode realmente transmitir o que é esse horror”, suspira essa mãe haitiana, também às lágrimas, com as emoções à flor da pele. "Se eu soubesse pelo que iria passar, nunca teria feito esta viagem."
O casal diz que gastou 7 mil dólares para chegar ao México e mais 2 mil para alcançar a fronteira com o Texas.
Como outras famílias expulsas para Porto Príncipe no domingo, eles erroneamente acreditaram que poderiam se beneficiar da extensão de um status migratório especial, o TPS.
De fato, o governo Biden estendeu aos haitianos a validade do TPS, destinado a cidadãos de países perigosos ou afetados por desastres naturais, mas apenas para aqueles que estavam em solo americano antes de 29 de julho.
Jeanne deixou o Haiti depois de terminar seus estudos de administração de empresas em 2016. “Se tivesse conseguido encontrar um emprego, nunca teria saído. Agora a situação no país piorou muito”, diz.
Sua mãe mora no exterior, então ela irá com o filho e o marido morar com os sogros em um bairro nos subúrbios de Porto Príncipe totalmente controlado por uma gangue desde o início do ano.
“Pense só: alguns homens conseguiram entrar na casa do presidente e matá-lo em seu quarto. E eu? Não consigo ficar tranquila”, lamenta a mulher de 28 anos, relembrando o assassinato de Jovenel Moïse, morto por um comando armado em 7 de julho, o que acrescentou mais uma tragédia à já crítica situação social e política do país.
Com escassez de funcionários, as autoridades haitianas concluíram o registro de todos os cidadãos expulsos dos Estados Unidos no final da tarde de domingo. Nesta segunda-feira, a cena se repete, com a chegada de três novos voos do Texas.
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