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O legado de Angela Merkel, a segunda líder mais longeva da Alemanha

Depois de quase 16 anos à frente do país mais rico da Europa, Merkel se prepara para deixar o poder e entrar para a história como uma líder pragmática e mediadora de crises

Rodrigo Craveiro
postado em 19/09/2021 06:00 / atualizado em 19/09/2021 08:28
 (crédito: Saul Loeb/AFP)
(crédito: Saul Loeb/AFP)

Angela Merkel tinha 51 anos quando subiu ao púlpito do Bundestag (Parlamento) e discursou, na condição de primeira mulher a ocupar a chancelaria da Alemanha. “Um governo de ação terá que levar alguns golpes. Mas nós mostraremos uma coisa: temos um enorme potencial em nosso país. A Alemanha é repleta de oportunidades. (…) Vamos soltar os freios do crescimento. Vamos mostrar que isso é possível”, declarou, em 23 de novembro de 2005. No próximo domingo, 60,4 milhões de alemães estarão aptos a escolher os 598 membros do Bundestag.

Aos 67 anos, Merkel — carinhosamente apelidada pela população de “Mutti” (“Mamãe”, em alemão) — anunciou que não concorrerá a um quinto mandato. A segunda chanceler mais longeva da história do país deixará o cargo após a designação do sucessor no Bundestag. Tudo dependerá do tempo que a União Democrata Cristã (CDU), de Merkel, e o Partido Social-Democrata (SPD) levarão para construir uma sólida coalizão de governo.

Pragmática e conciliadora, Merkel sairá de cena como a mulher mais poderosa do planeta e deixará um legado controverso. Jürgen W. Falter, professor de ciência política da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, reconhece o papel de liderança de Merkel ao conduzir a Alemannha e a Comunidade Europeia durante a crise financeira global e a crise do euro na Grécia. “Ela também tem gerenciado bem a resposta à pandemia da covid-19 e atuou como mediadora internacional, por exemplo, em negociações com o presidente russo, Vladimir Putin, em uma solução para o conflito ucraniano”, afirmou à reportagem.

Segundo o estudioso, Merkel também deixa legados negativos. Ele lembra que a chanceler alemã decidiu interromper a produção de energia nuclear na Alemanha sem um cenário realista sobre quais passos tomar e como responder ao abandono das usinas movidas de carvão em menos de duas décadas. “O governo de Merkel abandonou o serviço militar compulsório. A longo prazo, isso levará ao isolamento das Forças Armada”, lamentou Dalter.

“O legado de Merkel será o de uma gerenciadora de crises bem-sucedida.” Em relação aos valores sociais, Falter comentou que Merkel contribuiu para modernizar a Alemanha. “Em outras palavras, cedeu à pressão da modernização, como a aprovação de direitos iguais aos homossexuais e o casamento gay. Também introduziu cotas para mulheres nos comitês executivos de grandes companhias .”

Para Günther Auth, cientista político da Universidade Luís Maximiliano de Munique, a grande mídia construirá o retrato de Merkel como o de uma mediadora competente e uma calma equilibradora no que diz respeito aos assuntos internacionais. “Haverá uma visão um tanto enganosa de seu papel como promotora da Europa, e provavelmente nenhuma menção ao seu estilo bastante hesitante de governo nos temas domésticos. Haverá muita idolatria depois que Merkel deixar o gabinete”, disse ao Correio.

O especialista avalia a gestão da chanceler como uma sucessão de fracassos. “Ela contribuiu para a divisão da Europa, devido a medidas descoordenadas para lidar com a crise dos refugiados de 20015 — o aspecto humanitário não deve ter pesado muito. Durante anos, ninguém no governo alemão se dispôs a tornar este problema um tema europeu”, explicou Aunth. “Além disso, o tratamento da crise da dívida grega, sob a liderança de Merkel, foi vergonhoso.

A culpa mais devastadora de Merkel reside nos assuntos ambientais. Ela citou a proteção climática como prioridade e tarefa primordial da humanidade, apenas para bloquear quase todas as iniciativas sérias na Alemanha e na UE, a fim de implementar passos muito pequenos nesse caminho.”

Auth acredita que Olaf Scholz, candidato do SPD, sucederá Merkel. “Scholz é muito similar a Merkel no que diz respeito ao temperamento. Será, novamente, um governo de coalizão”, previu. Falter coloca outro nome no páreo: Armin Laschet, da CDU.

“Tanto Scholz quanto Laschet tentam imitar Merkel no estilo e na política. O futuro da Alemanha dependerá da coalizão a ser formada após as eleições. Existe uma grande probabilidade de que nossos esforços para enfrentar a crise climática sejam reforçados. Se houver uma coalizão de esquerda, teremos aumento de impostos para os ricos. Não antevejo muitas mudanças na política externa, pois os dois potenciais sucessores de Merkel defendem a integração europeia e a aliança transatlântica."

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Número de dias de Angela Merkel à frente do comando da Alemanha, a segunda líder mais longeva do país

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“A Alemanha não perderá nem ganhará sem Merkel. Chanceleres costumam ser fracos no que diz respeito ao poder institucional. As alas dos partidos são influentes e precisam ser balanceadas em dimensões substantivas e pessoais, que circunscrevem o poder. O próximo chanceler enfrentará este problema; além da influência do setor financeiro, da indústria automotiva e do agronegócio.”

Günther Auth, cientista político da Universidade Luís Maximiliano de Munique


“Merkel iniciou uma reversão substantiva da política industrial, especialmente em relação ao trânsito e à produção de energia, além da adaptação ao enfrentamento das mudanças climáticas. A Alemanha perderá uma moderadora experiente ante as crises europeias; uma política que jamais perdeu a paciência e que foi capaz de convencer o povo com o estilo de política não machista.”

Jürgen W. Falter, professor de ciência política da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz

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