Os talibãs disseram neste domingo (5) que ganharam terreno no Vale do Panshir, último grande bastião da resistência armada ao novo governo do Afeganistão, onde, de acordo com Washington, uma guerra civil pode explodir.
Desde que as tropas americanas deixaram o país em 30 de agosto, as forças do movimento islâmico lançaram várias ofensivas contra este vale de difícil acesso, localizado a cerca de 80 km ao norte de Cabul.
O Vale do Panshir é um antigo reduto antitalibã, que ficou conhecido pelo lendário comandante Ahmed Shah Massud, no final dos anos 1990, assassinado pela rede Al-Qaeda em 2001. Hoje, abriga a Frente de Resistência Nacional (FNR, na sigla em inglês).
Liderada por Ahmad Massud, filho do comandante Massud, a FNR é composta por milícias locais e por ex-membros das forças de segurança afegãs que chegaram ao vale quando o restante do país sucumbiu aos talibãs.
De acordo com a ONG italiana Emergency, presente em Panshir, as forças talibãs chegaram na noite de sexta-feira (3) a Anabah, um povoado localizado dentro deste vale.
"Várias pessoas fugiram dos povoados da região nos últimos dias", relatou a ONG em um comunicado, acrescentando que atendeu "um número reduzido de feridos no centro cirúrgico de Anabah".
No Twitter, uma autoridade talibã anunciou, por sua vez, que várias partes do Panshir já estavam em poder do grupo, enquanto Ali Maisam Nazary, porta-voz da FNR, garantiu no Facebook que a resistência "nunca fracassaria".
- 'Reconstrução da Al-Qaeda'
Estas declarações contrastam com as do ex-vice-presidente Amrullah Saleh, mais sombrio, segundo o qual Panshir passa por uma "crise humanitária em grande escala", com milhares de deslocados, após "um ataque talibã".
As comunicações com o Vale do Panshir são muito complicadas, e a AFP não pôde confirmar estas informações, ou o avanço real dos talibãs nesta área, com fontes independentes.
Diante deste quadro caótico, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Mark Milley, declarou ontem (4), em entrevista à rede Fox News, que o Afeganistão entrará, "provavelmente", em uma guerra civil. Ele também alertou que estas condições podem permitir o ressurgimento de grupos terroristas no país.
"Minha estimativa militar (...) é que é provável que se deem as condições para uma guerra civil", afirmou o general.
"Acho que, no mínimo, há uma probabilidade muito forte de uma guerra civil", que pode levar a "uma reconstrução da Al-Qaeda, ou ao crescimento do EI (o grupo Estado Islâmico), ou de outros grupos terroristas", avaliou.
"É muito provável que vejamos um ressurgimento do terrorismo procedente dessa região em geral dentro de 12, 24, ou 36 meses", acrescentou.
No plano político, o anúncio sobre a composição do novo Executivo talibã, inicialmente previsto para sexta-feira, continuava sendo esperado para este domingo.
Em diferentes oportunidades, a comunidade internacional advertiu que julgará o governo talibã por seus atos, e não por suas palavras. Desde que recuperou o poder em 15 de agosto, o movimento fundado pelo mulá Omar prometeu instalar um governo "inclusivo" e garantiu que respeitará os direitos das mulheres.
A desconfiança em relação ao cumprimento destas promessas é grande - tanto em casa, quanto no exterior. No sábado, pelo segundo dia consecutivo, dezenas de mulheres se manifestaram em Cabul para exigir que seus direitos sejam respeitados e que possam participar do futuro Executivo.
Na véspera da reabertura das universidades privadas, os talibãs sancionaram um decreto, especificando que as estudantes destas instituições terão de usar uma abaya preta e um niqab que cubra o rosto. O texto afirma que poderão assistir às aulas, mas não poderão se misturar com os colegas do sexo masculino.
- Diplomacia e ajuda humanitária
Neste domingo (5), a chanceler alemã, Angela Merkel, pediu que as negociações com os talibãs sejam mantidas para que seja possível continuar as retiradas.
"Simplesmente temos de falar com os talibãs sobre como podemos tirar do país as pessoas que trabalharam para a Alemanha e colocá-las a salvo", disse Merkel em entrevista coletiva.
"É com eles que temos que falar agora. Queremos tirar do país pessoas que trabalharam para organizações alemãs e, especialmente, aquelas que se sentem ameaçadas", frisou a chanceler.
No âmbito humanitário, a situação continua sendo crítica, mas as ajudas começam a chegar. Ontem, o Catar anunciou o envio de 15 toneladas de ajuda humanitária procedente do mundo todo para o Afeganistão e disse que os voos continuarão "nos próximos dias".
Quase três semanas se passaram desde que os talibãs assumiram o controle do país, e o vaivém diplomático já começou. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, visitará o Catar de segunda a quarta-feira. O país tem estado no centro do diálogo com o novo governo afegão.
O chefe da Inteligência militar do Paquistão, Faiz Hameed, foi visto em Cabul no sábado. Especula-se que tenha se reunido com autoridades talibãs, com as quais Islamabad mantém relações estreitas.
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