Os ataques a bomba nos arredores do aeroporto de Cabul na quinta-feira (26/08) alimentaram os temores de muita gente: de que o Afeganistão se torne mais uma vez um terreno fértil para o extremismo.
As potências ocidentais correram para retirar seus cidadãos do país diante da ameaça de um ataque iminente, que acabou sendo executado e matou pelo menos 90 pessoas.
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Um braço do grupo extremista autodenominado Estado Islâmico, chamado Estado Islâmico Khorasan, assumiu a autoria do ataque — e os Estados Unidos responderam com ataque de drones que teriam matado ao menos três membros do Estado Islâmico, entre eles o responsável por planejar o atentado.
Desde a chegada do Talebã ao poder, a comunidade internacional tem sob escrutínio tanto o Estado Islâmico quanto a Al Qaeda, dois grupos enfraquecidos, mas que buscam se fortalecer após o colapso do governo afegão e a retirada das tropas ocidentais do país.
O Talebã nega que o país possa se tornar um santuário para terroristas, mas alguns especialistas têm dúvidas.
"Não estou seguro do valor dessas palavras porque ouvimos as mesmas declarações nos anos 1990", afirma à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, Bruce Hoffman, pesquisador chefe de luta contra o terrorismo e segurança nacional no Conselho de Relações Exteriores de Nova York, nos Estados Unidos.
Entre 1996 e 2001, sob o domínio do Talebã, a Al Qaeda prosperou no Afeganistão e orquestrou ataques em todo o mundo. Agora, a preocupação é que o grupo recupere o poder à sombra do governo do Talebã, seus aliados.
O Estado Islâmico, por sua vez, quer se fortalecer novamente após sua derrota na Síria e no Iraque e a queda de seu autoproclamado califado. Esta organização é inimiga tanto do Ocidente, quanto do Talebã e da Al Qaeda.
Mas afinal, atualmente, qual a extensão da presença da Al-Qaeda e do Estado Islâmico no Afeganistão? E como é a relação deles com o Talebã?
Estado Islâmico Khorasan
O Estado Islâmico Khorasan é afiliado ao grupo original que controlava grandes áreas na Síria e no Iraque.
Esta facção surgiu em 2015, no leste do Afeganistão, no auge da organização — e é um inimigo jurado tanto do Talebã quanto da Al Qaeda.
"Eles se odeiam, são concorrentes, embora tenham ideologias semelhantes. Eles se atacaram durante meses. Este grupo considera que os talebãs são traidores por negociarem com os americanos", explica à BBC News Mundo Michele Groppi, pesquisadora sobre a ordem mundial da Universidade King's College London, no Reino Unido.
No comunicado em que assumiram a responsabilidade pelo ataque na quinta-feira, eles acusaram o Talebã de "colaborar" com as forças americanas para retirar "espiões" do país.
De acordo com Frank Gardner, correspondente para assuntos de Segurança da BBC, o Estado Islâmico Khorasan é o mais extremo e violento de todos os grupos militantes jihadistas que atuam no Afeganistão.
A Organização das Nações Unidas (ONU) observa que, apesar das perdas financeiras e territoriais, o Estado Islâmico continua sendo uma ameaça para o país e a região.
"Ele está tentando manter sua relevância, reconstruir suas hierarquias, recrutar e treinar seguidores, potencialmente desertores do Talebã que rejeitaram o processo de paz", diz o relatório da ONU.
Estima-se que o Estado Islâmico Khorasan tenha entre 1,5 mil e 2,2 mil combatentes espalhados por várias células, com maior presença nas províncias de Kunar e Nangarhar, no nordeste do país.
Em seu auge, chegou a contar com mais de 3 mil combatentes, mas sofreu baixas significativas em confrontos com as forças de segurança dos EUA e do Afeganistão, assim como contra o Talebã.
O grupo recruta tanto jihadistas afegãos quanto paquistaneses, sobretudo membros desertores do Talebã afegão que não consideram sua própria organização "radical o suficiente".
Fontes de inteligência atribuíram ao grupo algumas das piores atrocidades ocorridas no Afeganistão nos últimos anos, incluindo ataques contra escolas de meninas, hospitais e até mesmo uma maternidade, em que teriam matado a tiros mulheres grávidas e enfermeiras.
Enquanto o Talebã insiste que seu objetivo não vai além do que acontece no Afeganistão, o Estado Islâmico mostrou uma postura mais expansionista e dura contra o Ocidente e as Nações Unidas.
"O Khorasan tem uma visão muito diferente de como o Afeganistão deve funcionar. Eles são ainda mais ferozes do que o Talebã", explica Groppi.
Al Qaeda
De acordo com um relatório recente da ONU, a Al Qaeda está presente em pelo menos 15 províncias afegãs, principalmente nas regiões leste, sul e sudeste do país.
"É uma presença significativa. Eles estão em praticamente metade do território, desde antes mesmo da queda de Cabul", contextualiza Hoffman.
"No total, estima-se que a Al Qaeda tenha entre 400 e 600 combatentes, mas imagino que esses números cresçam após a vitória do Talebã", acrescenta à BBC News Mundo Colin Clarke, pesquisador e analista de segurança do Soufan Center em Nova York, nos EUA.
Em 29 de fevereiro de 2020, os Estados Unidos, sob a gestão de Donald Trump, assinaram um acordo com o Talebã em Doha, no Catar, em que foi definido um cronograma para a retirada de suas tropas e aliados após quase 20 anos de conflito.
Em troca, Washington obteve a promessa de que o Talebã não permitiria "que nenhum de seus membros, ou outros indivíduos ou grupos, incluindo a Al Qaeda, usem o território afegão para ameaçar a segurança dos Estados Unidos e de seus aliados".
A invasão do Afeganistão foi parte da "guerra ao terror" declarada pelo ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001.
O Afeganistão do Talebã era uma das bases da Al Qaeda — e a inteligência dos Estados Unidos localizava ali e no vizinho Paquistão o principal quartel-general de seu líder, Osama Bin Laden.
As Nações Unidas garantem que o Talebã e a Al Qaeda continuam alinhados. Na verdade, afirmam que o vínculo se aprofundou como resultado de casamentos e laços tribais.
Especialistas acreditam que o Talebã e a Al Qaeda manterão uma postura de distanciamento e discrição até que o primeiro atinja seus objetivos de controle do país.
O Talebã nega e reafirma que respeita os pontos do acordo de Doha e não tem vínculos com a organização.
"O Talebã prometeu impedi-los de atacar os EUA e o Ocidente, mas isso não significa que eles não usem o Afeganistão para desestabilizar a Ásia ou talvez provocar tensões nucleares entre a Índia e o Paquistão", adverte Hoffman.
"Me preocupa que, com o Talebã, os extremistas estarão melhor posicionados para orquestrar ataques por meio de suas facções em outros países, como a Síria e o Iêmen", acrescenta o especialista.
Por outro lado, acadêmicos advertem que o consórcio Talebã-Al Qaeda pode ser reforçado na luta contra o Estado Islâmico, seu inimigo comum.
A Al Qaeda surgiu entre as redes de jihadistas que lutaram no Afeganistão contra a invasão soviética na década de 1980.
Seu objetivo final é estabelecer um califado. A estratégia do grupo é lançar ataques de alto impacto contra o Ocidente, como o das Torres Gêmeas em Nova York em 2001.
O Estado Islâmico surgiu, por sua vez, entre alguns remanescentes da Al Qaeda no Iraque, mas eles romperam relações em 2014.
O grupo também liderou ataques contra o Ocidente e atentados sectários brutais no Oriente Médio e na Ásia.
Diferentemente da Al Qaeda, o Estado Islâmico está buscando ativamente a expansão e conquista territorial.
Ambas as organizações rivalizam pelo domínio do movimento jihadista global.
O que pode acontecer no futuro?
O que vai acontecer a médio e longo prazo é uma incógnita. Mas é claro que o desafio à segurança começa em breve, acelerado pelo ataque ao aeroporto de Cabul poucos dias antes de 31 de agosto, prazo final para a retirada das potências estrangeiras do país.
O Talebã prometeu ficar longe da Al-Qaeda e se concentrar na reorganização de seu país.
No entanto, conforme o grupo recuperava terreno nas últimas semanas, afegãos denunciaram execuções de soldados e punições a mulheres.
Muitos optaram por fugir do país por medo de que se repita o que aconteceu na década de 1990, quando o Talebã governou o Afeganistão sob um regime estrito baseado na sharia (lei islâmica).
Hoffman acredita que a Al Qaeda não fará parte do novo governo, mas pode ter poder nos bastidores.
No entanto, Groppi prevê que se "o Talebã não conseguir o que deseja: reconhecimento internacional, fundos e segurança para governar o Afeganistão, pode convidar abertamente a Al Qaeda".
Por outro lado, muitos analistas, como Colin Clarke, esperam que a ascensão do Talebã ao poder provoque um fluxo de novos recrutas tanto para este grupo quanto para a Al Qaeda e Estado Islâmico Khorasan.
"Não vamos esquecer também que os EUA podem usar o Talebã para combater o Estado Islâmico. No curto prazo, esses dois grupos continuarão a lutar um contra o outro. No longo prazo, tudo dependerá da dinâmica interna e dos jogos internacionais", avalia Groppi.
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