A International Association of Women Judges (IAWJ — “Associação Internacional de Mulheres Juízas”), a Associação Nacional de Magistradas e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) articulam junto ao Itamaraty, ao Ministério da Defesa e ao Comando da Força Aérea Brasileira (FAB) a viabilidade de uma operação estratégica para retirar 270 magistradas do Afeganistão, que se encontram sujeitas às ameaças do Talibã.
As entidades demandam a disponibilização de aeronaves para o resgate das magistradas e a concessão de asilo político, além da retirada de mulheres, crianças e famílias afegãs. Também solicitam oferta de moradias provisórias para atendê-las. Um manifesto assinado pela desembargadora Shelma Lombardi de Kato, juíza-fundadora da IAWJ; pela Dra. Amini Haddad Campos, juíza-membro da IAWJ; e por Marta Lívia Suplicy, presidente nacional da “Virada Feminina” conclama a comunidade internacional a atuarem no sentido de “resgatar a população submetida ao terror”, oferecer “asilos políticos às autoridades femininas”, acolher as famílias resgatadas e disponibilizar tradutores voluntários.
Leia a entrevista com a juíza Dra. Amini Haddad Campos.
Como foi a iniciativa de redigirem o manifesto e como a senhora vê a importância deste documento? Quais as principais demandas?
Assistíamos a solicitação das Juízas Afegãs por passaporte humanitário e asilo político. As primeiras notícias que tivemos de acesso veio de Londres, onde é a sede da Associação de Mulheres Juízas da inglaterra. Elas são muito atuantes. Assim, como membro da International Association of Women Judges (IAWJ) e Juíza fundadora da Associação Nacional de Magistradas, no Brasil, entrei em contato com o ambiente internacional e com a cofundadora da IAWJ, Desa. Shelma Lombardi de Kato, para produzirmos um documento (Manifesto, no português e no inglês) que viesse a circular por todas as nações, buscando guarida à população afegã, principalmente às mulheres e meninas/crianças, tendo-se em vista o horizonte sombrio que lhes é ofertado.
Fizemos o documento, com o apoio também do Movimento Global Virada Feminina, ao qual pertenço. Este tem atuado, dentre outras centenas de ações, no desenvolvimento de atividades conjuntas para acolhimento e capacitação de mulheres venezuelanas. Portanto, há mobilização interna para auxílio à demanda posta.
Porém, nosso maior temor é a condição das juízas afegãs e suas famílias. Elas estavam sendo caçadas diuturnamente. Sob perseguição do regime totalitário Talibã, estão buscando abrigo sem qualquer condição de sobrevivência. Elas foram responsáveis pela prisão de muitos terroristas e componentes desse regime. Suas vidas estão expostas. Suas famílias igualmente. Portanto, o manifesto foi remetido a todos os âmbitos internacionais de organizações não-governamentais e países que creditam e acreditam na universalidade dos direitos humanos.
A importância do documento está exatamente nessa vocação última das declarações humanitárias, chamando à responsabilidade países que são signatário dos tratados e convenções Internacionais de defesa dos direitos humanos. Está na hora de mostrar a força e a vocação desses documentos. Não podemos aceitar retrocessos. Esses tratados internacionais demandaram muitas lutas e sacrifícios. Milhares de vidas foram perdidas até o alcance e celebração desses diplomas internacionais.
A partir desse manifesto divulgado internacionalmente, foi possível novos diálogos públicos. Recebemos ligações da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul. Igualmente, recebemos contato da Ministra do Superior Tribunal Militar. Formalizamos novos documentos (ofícios), com essas fortes vozes nacionais, para atuação conjunta, em articulação com o Ministério da Defesa, Comando da Força Aérea Brasileira e o Ministério das Relações Exteriores-Itamaraty. Estamos esperançosos com esses horizontes e pontes alcançadas para ações efetivas.
De que modo a IAWJ está empenhada em tentar ajudar magistrados do Afeganistão em meio a essa grave crise de segurança?
A pretensão é proteger principalmente as juízas afegãs. Um total de 270 juízas e suas famílias. Tudo começou quando 100 juízas solicitaram auxílio à Associação Nacional de Juízas Afegãs, então vinculada à IAWJ.
A razão dessa direção humanitária prioritária às juízas está em razão de as mesmas terem atuado em desfavor de muitos dos componentes do Talibã que negam direitos às mulheres, bem como pelo fato do regime totalitário atuar na afirmação da inexistência de dignidade ao feminino, condicionando as mulheres à situação inumana.
A International Association of Women Judges há décadas busca o diálogo e o desenvolvimento de políticas nos Estados e nações para construção dos direitos humanos das mulheres, tendo-se em vista o alicerce cultural e histórico que tendem a negação de seus direitos fundamentais.
No Brasil, muitas das legislações nacionais que tornaram possíveis novos diálogos públicos, a exemplo da Lei Maria da Penha, foram também alcançadas pela intervenção da IAWJ, com a provocação da Organização das Nações Unidas, da Organização dos Estados Americanos e dos Estados Nacionais.
De igual forma, a IAWJ tem solicitado ações conjuntas e articuladas entre Estados para guarida aos direitos humanos de meninas e mulheres em todo o mundo, em decorrência das realidades de apropriação e exclusão comumente sofridas pelas mulheres, inclusive quanto à negação de poder decisório a estas, com o emudecimento de suas vozes quando da delimitação de políticas de Estado/públicas.
As senhoras e senhores acreditam que o governo brasileiro deve conceder asilo a esses juízes? Por quais motivos? E quantos seriam beneficiados?
Acreditamos que o governo brasileiro deve conceder asilo político às juízas, bem como passaporte humanitário às famílias destas. Afinal, dentro dos mandamentos constitucionais, nas relações internacionais (art. 4°, da CF), há prevalência dos princípios dos direitos humanos (inciso, II), defesa da paz (VI), repúdio ao terrorismo (VIII), de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (IX) e de concessão de asilo político (inciso X).
Quanto ao número de beneficiários, pela previsão e delimitação que encontramos, teríamos 270 asilos políticos às juízas. Haveria também a concessão de passaporte humanitário às suas famílias diretas, o que nos aproxima de 1000 pessoas atendidas.
Mas, já sabemos que muitas juízas já se encontram mortas. Igualmente suas famílias. O regime Talibã não tem poupado vidas. Logicamente que o Brasil pode agir mediante esforços comuns e ações estratégicas com outras nações para a concessão de acolhimento humanitário. Isso tornará possível um maior número de famílias, mulheres e crianças beneficiadas.
É com esperança que conclamamos ao governo do Brasil esta ação de cooperação internacional.
A defesa dos direitos humanos é de interesse de todos nós (homens e mulheres) e de toda a humanidade.