O Talibã está prestes a assumir o poder no Afeganistão, depois de chegar às portas da capital Cabul, onde seus combatentes receberam ordens de não entrar, enquanto o governo se prepara para uma transição pacífica.
O movimento radical islâmico está a um passa do retornar ao poder, 20 anos depois de ser derrubado por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos por sua recusa em entregar o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, após os ataques de 11 de setembro de 2001.
"O Emirado Islâmico ordena a todas as suas forças que esperem nas portas de Cabul, não tentem entrar na cidade", anunciou no Twitter Zabihullah Mujahid, um porta-voz do Talibã.
Os insurgentes também prometeram que não vão buscar vingança contra ninguém, incluindo soldados ou funcionários que serviram ao atual governo.
Apelando aos afegãos a "não se desesperarem", o ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, assegurou que ocorreria uma "transferência pacífica de poder" para um governo de transição.
O porta-voz dos insurgentes Suhail Shaheen confirmou à BBC que espera uma transferência pacífica de poder "nos próximos dias". "Queremos um governo inclusivo (...) o que significa que todos os afegãos farão parte dele", disse.
Em apenas dez dias, os talibãs - que lançaram sua ofensiva em maio coincidindo com o início da retirada final das tropas americanas e estrangeiras - assumiram o controle de quase todo o país.
A derrota é total para as forças de segurança afegãs, que foram financiadas por 20 anos com bilhões de dólares pelos Estados Unidos, e para o governo do presidente Ghani, cuja renúncia parece inevitável.
O chefe de Estado apelou às forças de segurança para que garantam "a segurança de todos os cidadãos". "É nossa responsabilidade e faremos isso da melhor maneira possível. Quem pensar em criar caos ou saques será tratado com força", disse ele em uma mensagem de vídeo.
O Talibã assumiu recentemente o controle de duas prisões perto da capital, libertando milhares de prisioneiros, e as autoridades temiam que os criminosos perturbassem a ordem pública.
Pânico em Cabul
Diante do colapso do Exército afegão, o presidente americano, Joe Biden, aumentou para 5 mil o número de militares nobilizados no aeroporto de Cabul para evacuar diplomatas americanos e civis afegãos que cooperaram com os Estados Unidos e que temem por suas vidas. O Pentágono estima o número total de pessoas a serem retiradas em cerca de 30 mil.
Como na véspera, os helicópteros americanos continuavam, neste domingo, seus voos entre a embaixada americana, um gigantesco complexo localizado na fortificada "zona verde", no centro da capital, e o aeroporto, agora único caminho para deixar o país.
A embaixada americana ordenou que seu pessoal destruísse documentos e símbolos americanos que poderiam ser usados pelo Talibã "para fins de propaganda".
Londres, por sua vez, anunciou a redistribuição de 600 soldados para ajudar os britânicos a partir. Vários países ocidentais reduzirão sua presença ao mínimo, ou mesmo fecharão temporariamente suas embaixadas.
Mas a Rússia declarou que não planeja esvaziar sua embaixada e disse que trabalha para organizar uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU.
O presidente Biden ameaçou o Talibã com uma resposta "rápida e forte" no caso de um ataque contra os cidadãos americano durante a operação de evacuação.
Mas defendeu sua decisão de encerrar 20 anos de guerra, a mais longa dos Estados Unidos, apesar das críticas da oposição republicana.
"Um ano ou mais cinco anos de presença militar americana não teriam feito diferença, quando o Exército afegão não pode ou não quer defender seu próprio país", opinou.
A Otan, por sua vez, estimou que é "mais urgente do que nunca" encontrar uma solução política para o conflito no Afeganistão.
"Apoiamos os esforços dos afegãos para encontrar uma solução política para o conflito, que é mais urgente do que nunca", disse um funcionário da Otan à AFP.
Em Cabul, o pânico toma conta. Lojas fecharam, engarrafamentos se formaram, policiais foram vistos trocando seus uniformes por roupas civis.
Os bancos estava lotados de pessoas querendo sacar seu dinheiro. As ruas também ficaram lotadas de veículos tentando sair da cidade ou se refugiar em uma área considerada mais segura.
'Valores islâmicos'
No bairro de Taimani, no centro da capital, o medo, a incerteza e a incompreensão podiam ser lidos nos rostos das pessoas.
"Apreciamos o retorno do Talibã ao Afeganistão, mas esperamos que sua chegada traga paz e não um banho de sangue. Ainda me lembro, de quando era criança, muito jovem, das atrocidades cometidas pelos talibãs", disse à AFP Tariq Nezami, um comerciante de 30 anos.
E já há sinais de que as pessoas estão se resignando a mudar de vida. Assim, o outdoor de propaganda de um salão de beleza mostrando uma noiva glamorosa foi pintado por um funcionário neste domingo em um bairro de Cabul.
Muitos afegãos, especialmente na capital, e as mulheres em particular, acostumados com a liberdade de que desfrutaram nos últimos 20 anos, temem um retorno ao poder do Talibã.
Quando governaram o país, entre 1996 e 2001, os talibãs impuseram sua versão ultrarrigorosa da lei islâmica. As mulheres eram proibidas de sair sem um acompanhante masculino e de trabalhar, e as meninas de ir à escola. Mulheres acusadas de crimes como adultério eram açoitadas e apedrejadas.
Ladrões tinham as mãos cortadas, assassinos eram executados em público e homossexuais mortos.
O Talibã, que tenta transmitir uma imagem mais moderada hoje, tem prometido repetidamente que, se voltar ao poder, respeitará os direitos humanos, especialmente os das mulheres, de acordo com os "valores islâmicos".
Mas nas áreas recém-conquistadas, já foram acusados de muitas atrocidades: assassinato de civis, decapitações, sequestro de adolescentes para casá-las à força.