Três anos depois de um acordo de reconciliação negociado por Moscou, a província síria de Deraa volta a sofrer confrontos entre rebeldes e forças do regime de Damasco, agravando uma já péssima situação humanitária.
Mas o que exatamente está acontecendo e o que se pode esperar?
Por que Deraa?
Localizada no sul da Síria, Deraa foi o berço do levante contra o regime em 2011.
Quando os protestos pró-democracia reprimidos violentamente se transformaram em um conflito mortal, grupos rebeldes tomaram a província.
Em 2018, Deraa voltou ao domínio de Damasco, no âmbito da reconquista pelo regime, apoiado por Moscou, de cidades ou regiões em mãos rebeldes.
Como as demais cidades, Deraa foi objeto de um chamado acordo de reconciliação, mas recebeu tratamento diferenciado. Assim como em outros lugares, os rebeldes tiveram que deixar as cidades reconquistadas, em Deraa eles foram autorizados a ficar e manter apenas as armas pequenas. Além disso, as forças do regime não foram implantadas em toda a província.
A cidade homônima de Deraa foi dividida em dois distritos, o do sul "Deraa al Balad", onde viviam os ex-rebeldes, e "Deraa al Mahatta", sob o controle das forças do regime.
A especificidade geográfica desta província, na fronteira com Israel, influenciou-a a ter este tratamento excepcional patrocinado por Moscou, mas o Estado hebreu teme pela presença de milícias pró-iranianas, aliadas de Damasco, às suas portas.
O que está acontecendo?
Nos últimos três anos, esta região tem sido palco de ataques frequentes contra as forças do regime e assassinatos seletivos de partidários do regime e ex-opositores.
Em maio, seus habitantes protestaram contra as eleições presidenciais, conforme esperado, vencidas por Bashar al-Assad, e os opositores se recusaram a realizar a consulta nas áreas sob sua influência.
No final de julho, a região foi atingida por duros combates, "os mais violentos" desde 2018, segundo a ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), que registrou 32 mortes, 12 delas civis.
Esses confrontos em Deraa duraram dois dias, após os quais começaram as negociações de apaziguamento patrocinadas por Moscou.
Embora a intensidade dos combates tenha diminuído, "as forças do regime continuam a realizar ataques quase diários (...) para exaurir os combatentes que só possuem armas de pequeno porte", segundo Omar Hariri, ativista local.
Por que agora e quais os cenários?
O regime de Assad buscaria "vingança" em "Deraa al Balad", de acordo com alguns habitantes e ativistas.
Lá, "muitos ridicularizam o regime (...) enquanto os assassinatos de seus leais não diminuem" na província, explica Hariri.
Portanto, Damasco exigiria a transferência de certos militantes e rebeldes para o norte do país, acrescenta.
Segundo relatos, o regime também está tentando fazer valer sua presença até a fronteira com Israel.
"Os iranianos sempre quiseram consolidar sua influência no sul (...) e agora estão pressionando as forças do regime" para se deslocarem para lá, explica Mohamad al Abdallah, do Centro Sírio para Justiça e Responsabilidade (SJAC).
Por sua vez, a Rússia quer salvar o acordo de 2018 enviando para lá "o quinto batalhão" do exército sírio, criado por sua iniciativa e composto por ex-rebeldes.
É uma "competição entre iranianos e russos em suas áreas de influência na Síria", disse Al Abdullah.
E a situação humanitária?
O enviado da ONU para a Síria, Geir Pedersen, considerou na quinta-feira a situação na região de Deraa, que sofre com uma escassez cada vez mais severa, como "alarmante", e pediu o fim imediato da violência.
Abu al-Tayeb, morador de "Deraa al-Balad", confirma o aumento da escassez: farinha, água e eletricidade, enquanto o país já está mergulhado em uma grave crise econômica.
Cerca de 24 mil dos quase 55 mil habitantes de "Deraa al-Balad" fugiram para outras áreas da cidade ou arredores, enquanto o hospital local foi bombardeado quatro vezes, de acordo com informações fornecidas pelo Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
Nas últimas semanas, as forças do regime aumentaram gradualmente seu controle sobre "Deraa al-Balad".
O enviado das Nações Unidas destacou que a ajuda humanitária deve ter acesso "imediato" e "seguro" a "todas as áreas e comunidades afetadas", solicitando o fim "desta situação de quase-cerco" neste distrito da cidade.