Com a capital Cabul completamente isolada e o Afeganistão à beira do colapso ante o avanço territorial da milícia fundamentalista islâmica Talibã, o Pentágono decidiu enviar 3 mil soldados dos Estados Unidos para resgatarem funcionários da embaixada norte-americana.
Sob críticas do Partido Republicano, o presidente Joe Biden assinou a ordem executiva em que autoriza a operação militar, depois de se reunir com os principais conselheiros de Segurança Nacional na Casa Branca. “Reduziremos nossa presença civil em Cabul, devido à evolução da situação de segurança”, declarou o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price.
Por sua vez, John Kirby, porta-voz do Pentágono, anunciou que “o primeiro movimento será composto por três batalhões de infantaria que atualmente estão sob a responsabilidade do Comando Central da Área”. “Eles irão para o Aeroporto Internacional Hamid Karzai (em Cabul) entre as próximas 24 e 48 horas”, acrescentou. O jornal The New York Times, citando fontes da inteligência, estimou em um mês a queda de Cabul.
Até o fechamento desta edição, os talibãs tinham conquistado 13 das 34 capitais de províncias afegãs. Ontem, as capitais Ghazni, a 150km de Cabul, e Herat (oeste), a terceira maior cidade do país, caíram nas mãos do Talibã. Kandahar, a segunda principal cidade do Afeganistão, também foi capturada pelos insurgentes, depois de intensos combates com as forças de segurança.
Sob condição de anonimato, um morador de Kandahar falou ao Correio e descreveu a situação como “muito ruim”. “Estamos sob ataque. Há combates em toda a cidade, principalmente perto do escritório do governo”, afirmou. “É possível escutarmos o barulho de bombas e foguetes. Os cidadãos estão cautelosos e se mantêm dentro de casa.” Por volta das 19h (2h30 no Afeganistão) de ontem, ele assegurou à reportagem que Kandahar tinha acabado de ser tomada pelos talibãs.
“Todas as autoridades fugiram para o 205º Corpo do Exército Nacional Afegão, situado no aeroporto, a 22km do centro.” A informação foi confirmada por um porta-voz do Talibã, em seu perfil no Twitter. “Kandahar está completamente conquistada”, escreveu.
Em Kunduz, capturada no último domingo, o estudante universitário Mohammad Edris Aimaq, 20 anos, disse que viu quando os talibãs chegaram à cidade. “A situação por aqui é muito tensa. O Talibã quer controlar todo o Afeganistão e instalar uma sharia (lei islâmica), uma espécie de emirado islâmico. Chegou a impor novas leis para a população da província de Kunduz”, relatou à reportagem. “Estamos em perigo. Queremos fugir, mas não podemos, pois não temos dinheiro para o passaporte ou o visto.” Moradores de Herat contaram à agência France-Presse que os insurgentes hastearam bandeiras por toda a cidade e roubaram “dezenas de blindados, armas e munições”.
Trump
O ex-presidente republicano Donald Trump aproveitou a deterioração da segurança no Afeganistão para criticar Biden. Expulso do Facebook e do Twitter, ele publicou no site “Save America” que, “se a eleição de 2020 não tivesse sido fraudada e ele continuasse como presidente, o mundo descobriria que a retirada seria baseada em condições”. “Eu, pessoalmente, tive discussões com líderes talibãs, os quais entenderam que o que fazem agora não seria aceitável. Seria uma retirada muito diferente e mais exitosa, e o Talibã compreendeu isso melhor do que ninguém. O que ocorre agora é inaceitável.”
Ashok Swain, chefe do Departamento de Pesquisa sobre Paz e Conflito da Universidade Uppsala (Suécia), afirmou ao Correio que o Talibã vai reconquistar o poder no Afeganistão. “A milícia sempre teve apoio do establishment militar afegão e fez acordos com a China. Isso tornou os talibãs muito mais fortes e evitou o seu isolamento internacional. No entanto, em breve, vão se engajar na promoção do terror islâmico dentro do Paquistão e da China. Essa contradição inerente ajudará o resto do mundo a conter o grupo, mas isso levará tempo.”
Ao ser questionado sobre um suposto fracasso dos Estados Unidos na pacificação do Afeganistão, Swain disse que os norte-americanos treinaram as forças especiais afegãs. “Líderes tribais locais arregimentaram tropas regulares com 300 mil homens. Muitos deles foram treinados em poucos dias. Em vários casos, o recrutamento ocorreu apenas no papel, para que recebessem salário. A corrupção massiva, a fragmentada lealdade étnica e a falta de motivação ideológica ou nacionalista levaram a um espetacular fracasso das forças afegãs”, explicou.
Eu acho...
“Os talibãs disseram que vão recrutar uma pessoa de cada família. Eu e meus familiares estamos com medo. As forças armadas não estão na cidade.”
Mohammad Edris Aimaq, 20 anos, morador de Kunduz (norte)