Bielorrússia

Bielorrússia: 'Nunca nos ajoelharemos', diz presidente há 27 anos no poder

Países anunciam severas medidas contra a economia do país no momento em que Alexander Lukashenko celebrava o primeiro aniversário de sua quinta reeleição. Em um ano, milhares de opositores presos e exilados

No primeiro aniversário da quinta reeleição de Alexander Lukashenko, marcada por denúncias de irregularidades, a Bielorrússia foi alvo, ontem, de severas medidas econômicas. Numa ação coordenada, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos adotaram restrições na área de exportação, que atingirão em cheio as finanças do país. Adotadas em resposta a afrontas a direitos humanos e fraudes eleitorais, as ações foram anunciadas no momento em que Lukashenko, no poder desde 1994, fazia um balanço do governo.

No 27º ano à frente do país, o líder bielorrusso se mostrou implacável com seus críticos, aos quais acusa de cumplicidade com o Ocidente para enfraquecer a Rússia. Ontem, ele rebateu as críticas da comunidade internacional, negou ser um ditador e afirmou que, ao sufocar as manifestações contra seu governo, evitou um golpe.

“O ano não foi fácil”, disse Lukashenko durante encontro anual com a imprensa e com autoridades de seu gabinete, apelidado de “grande debate”. Foi uma referência aos protestos que, em sua opinião, representavam “uma ameaça à unidade nacional”.

Mais uma vez, ele proclamou sua vitória em uma disputa que classificou como “totalmente transparente”.“Alguns (o governo) preparavam eleições justas e honestas, outros pediam a queda das autoridades, um golpe de Estado”, insistiu, em um discurso desordenado, no palácio presidencial na capital, Minsk.

A campanha eleitoral de 2020 testemunhou uma mobilização inesperada da sociedade bielorrussa em torno de uma candidata surpresa, Svetlana Tikanovskaya. Ela substituiu seu marido preso e conseguiu unir todas as correntes da oposição. Após a votação de 9 de agosto, porém, Lukashenko foi proclamado vencedor com mais de 80% dos votos.

O polêmico resultado gerou um movimento de protesto inédito no país, que levou milhares à prisão ou ao exílio, caso da própria Tikanovskaya. Vivendo na Lituânia, a líder da oposição tem sido recebida no exterior por vários líderes ocidentais, incluindo o americano Joe Biden, em julho.

Críticas

As punições coordenadas anunciadas por britânicos, canadenses e americanos atingem a economia bielorrussa e seu setor financeiro, inclusive as exportações de derivados de petróleo e de potássio, principal fonte de moeda estrangeira dos bielorrussos. Por meio de um comunicado, Biden atacou o que classificou de “campanha brutal de repressão para abafar a dissidência”.

“As ações do regime de Lukashenko são um esforço ilegítimo para se manter no poder a qualquer preço. É responsabilidade de todos aqueles que se preocupam com os direitos humanos, eleições livres e justas e liberdade de expressão se oporem a essa opressão”, enfatizou o presidente dos EUA.

Em respostas às ações dos três países, Lukashenko afirmou que as medidas vão “sufocar” a Bielorrússia, mas garantiu: “Nunca nos ajoelharemos.” De todo modo, pregou negociações. Internamente, porém, meses de grandes manifestações não conduziram ao diálogo com seu governo, que se valeu de forte repressão, acelerada este ano, apesar das crescentes punições da União Europeia e dos Estados Unidos.

A maioria dos meios de comunicação independentes e de ONGs foi fechada. São muitas as companhias aéreas que evitam seu espaço aéreo, depois que o governo de Lukashenko foi acusado de desviar um voo comercial, em maio, para deter um dissidente.

Aliado do líder russo Vladimir Putin, o ex-presidente da república soviética negou, no discurso de ontem, que seu país esteja envolvido na morte suspeita de Vitali Shishov, um dissidente exilado que foi encontrado enforcado na Ucrânia, na semana passada. “Shishov, mas quem é ele para mim, ou para Belarus? (...) Não é ninguém para nós, quem foi que o enforcou?”, indagou Lukashenko.

O regime também foi acusado de querer repatriar à força a velocista Krystsina Tsimanouskaya, que estava nas Olimpíadas de Tóquio, por ter criticado seus treinadores. Lukashenko afirmou que a atleta , cuja deserção ao estilo da época da Guerra Fria comoveu pessoas de todo o mundo, é “controlada remotamente por seus amigos poloneses”, que lhe concederam um visto humanitário.

Em Minsk, a contínua repressão sufocou os críticos. Agora, não há vestígios das mobilizações de dezenas de milhares de pessoas registradas todos os domingos há menos de um ano. Para marcar o primeiro aniversário das manifestações, os bielorrussos protestaram no exterior.

 

Saiba Mais

Velocista nega ter sido manipulada

Há cinco dias em Varsóvia, após receber um visto humanitário polonês, a velocista bielorrussa Krystsina Tsimanouskaya, cuja deserção marcou os Jogos Olímpicos de Tóquio, pediu a seus compatriotas que sigam seu exemplo e “parem de ter medo” de abandonar o país. A atleta lamentou o fato de que a Bielorrússia não seja mais segura para seus próprios cidadãos. E negou que esteja sendo manipulada, como afirmou Alexander Lukashenko
“Gostaria que meu país fosse livre, que todos tivessem direito à liberdade de expressão, pudessem viver uma vida normal e deixar de ter medo”, disse, em entrevista à agência de notícias France-Presse (AFP). “As pessoas têm medo de ir às manifestações porque receiam ser espancadas. Tem acabar na prisão”, acrescentou a jovem de 24 anos.
A atleta conversou com a AFP em um escritório de Varsóvia da Fundação Bielorrussa de Solidariedade Esportiva (BSSF), favorável à oposição. Demonstrando estar um pouco nervosa durante a entrevista, ela declarou que gostaria de retornar a Belarus com sua família um dia, mas somente quando o país estiver “seguro e livre”. Perguntada sobre Lukashenko, respondeu que a Bielorrússia “provavelmente, só poderá ser livre sem ele”.
A decisão de desertar ocorreu após uma briga com seus treinadores, a quem acusou de tentar forçá-la a voltar ao país. Temendo que acabasse na prisão se retornasse para casa, ele recebeu ajuda da polícia japonesa e, em seguida, um visto humanitário polonês. Tsimanouskaya chegou a Varsóvia, via Viena, na última quarta-feira. No dia seguinte, encontrou-se com o marido, que também recebeu um visto humanitário polonês.
Segundo a velocista, o que a convenceu a entrar em contato com a polícia foi um telefonema de sua avó, que está na Bielorrússia, quando se dirigia ao aeroporto de Tóquio. “Ela me ligou e disse que eu não deveria fazer tudo o possível para não retornar”, assinalou.
Na entrevista, ela rejeitou a acusação de que está sendo controlada por Varsóvia. “É absolutamente falso. Eu mesma pedi ajuda no último minuto”, frisou, dizendo que não se arrependeu de ter “mostrado a verdade ao mundo”. O Comitê Olímpico Internacional, que está investigando o incidente com profundidade, retirou as credenciais de dois treinadores bielorrussos. Segundo a BSSF, sete atletas estão encarcerados em Belarus como presos políticos. Além disso, 36 atletas e treinadores profissionais foram afastados de seleções nacionais por manifestarem suas opiniões.