Nicarágua

Opositores de Ortega explicam escalada autoritária de presidente na Nicarágua

Com mais de 30 opositores presos, inclusive sete presidenciáveis, país enfrenta radicalização.

Cerca de 30 opositores ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, estão na prisão, sem acesso às garantias fundamentais. O partido de direita Cidadãos pela Liberdade (CxL), principal ameaça à reeleição do sandinista de 75 anos, acaba de ser inabilitado pelo Conselho Supremo Eleitoral (CSE) e impedido de ir às urnas, a 91 dias da votação. Há 14 anos no poder, Ortega segue a cartilha autoritária para anular os adversários políticos.

De acordo com o jornal La Prensa, Félix Maradiaga e Juan Sebastián Chamorro, pré-candidatos à Presidência da Nicarágua, estão detidos há dois meses, sem acesso aos familiares ou a advogados. As principais lideranças do CxL não escondem o medo, depois do mergulho forçado na clandestinidade. Ontem, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, alertou que as eleições marcadas para novembro “perderam toda a credibilidade” ante as manobras “autocráticas” de Ortega.

Um dos comandantes da luta contra o sandinismo na década de 1980 e até anteontem candidato presidencial pelo partido CxL, Óscar Sobalvarro falou ao Correio (Leia Quatro perguntas para), criticou a estratégia de Ortega e prometeu resistir. “Nós continuaremos organizados, sendo a voz do povo que deseja uma Nicarágua em liberdade, prosperidade e justiça. Esgotaremos todos os recursos constitucionais, a fim de recuperarmos a nossa personalidade jurídica. Seremos a esperança deste povo lutador”, afirmou, por meio do WhatsApp.

Presidente do Coletivo de Direitos Humanos Nicarágua Nunca Mais, Gonzalo Carrión Maradiaga disse à reportagem que Daniel Ortega e a primeira-dama e vice, Rosario Murillo, são uma ameaça à democracia e para todo o país. “Eles retornaram ao comando, em 2007, com uma maioria muito precária na votação. Nos primeiros meses, começaram a tomar medidas para concentrar, de maneira absoluta, o poder. Houve uma deterioração dos direitos humanos, da institucionalidade e do Estado de direito, com ações de governo tomadas por decreto”, avaliou.

Ameaça
Para Gonzalo, será impossível a realização de eleições livres em meio a uma “ditadura feroz”. “Falar sobre liberdade na Nicarágua é uma contradição. O cancelamento da personalidade jurídica do partido CxL é parte de um esquema fraudulento. Parece-me que o CxL representava uma ameaça ao poder dinástico de Ortega-Murillo. Na Nicarágua, não existe nenhuma condição para que o povo exerça o direito universal ao voto”, explicou o advogado e ativista, que está exilado na Costa Rica há 31 meses.

A anulação do CxL, na opinião dele, é um “abuso de poder” e uma violação a todo o tipo de procedimento constitucional. “A manobra representa a pretensão de uma família obcecada pelo poder de que nenhuma opção eleitoral coloque em perigo o seu desejo de perpetuar no poder”, acrescentou Gonzalo.

Até o fechamento desta edição, a Nicarágua mantinha cerca de 150 presos políticos, entre os quais 30 opositores e sete candidatos à Presidência. “Essas pessoas estão sequestradas, isoladas, sem comunicação com suas famílias e sem assistência judiciária”, denunciou Gonzalo. “Meu país vive mais de três anos com sistemáticas violações de direitos humanos e crimes de lesa humanidade.”

Membro da Aliança Universitária Nicaraguense e um dos organizadores dos protestos de 2018, cuja repressão deixou 328 mortos e 2 mil feridos, Jerry Urbina lamenta o atropelo à democracia com a invalidação do principal partido político da oposição. “É uma sentença de ilegitimidade das eleições, pois alijou da disputa a principal força opositora.

A consequência será um desconhecimento do resultado da votação por parte da maioria dos cidadãos”, disse ao Correio. “Isso poderá levar a protestos e rebeldia social. O nicaraguense reage com preocupação ante o perigo de ver o país convertido em um sistema unipartidário.”


“Conselho” de Lula

Na semana passada, em entrevista a uma emissora de TV mexicana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dirigiu-se a Ortega. “Se eu pudesse dar um conselho ao Daniel Ortega, daria a ele e a qualquer outro presidente: não abra mão da democracia. Não deixe de defender a liberdade de imprensa, de comunicação, de expressão, porque isso é o que favorece a democracia”, declarou. Lula disse que a Nicarágua “é um modelo de esquerda que arrasa a democracia”.


Quatro perguntas para

Óscar Sobalvarro, ex-candidato a presidente pelo partido Cidadãos pela Liberdade (CxL) e ex-chefe da “contrarrevolução”

Como o senhor vê a escalada autoritária de Ortega?
Ele procura estabelecer um partido único no país.

De que maneira o senhor recebeu a decisão do Conselho Supremo Eleitoral de invalidar o seu partido?
Eles tiveram medo de que pudéssemos unir um povo inteiro, que se manifestaria de forma massiva nas eleições de 7 de novembro, o que impossibilitaria a consumação de uma nova fraude.

A comunidade internacional pode ajudar a Nicarágua a encontrar o rumo da democracia?
A Lei 1.055 me proíbe de falar sobre esse tema.

Como analisa a perseguição atual do regime aos opositores?
Estamos tratando de nos resguardar de outras ações que poderiam ser tomadas contra nossa estrutura e nossa militância. 

Saiba Mais