Passava de 1h20 de hoje (17h50 de ontem, em Brasília) quando Rohgul Khairzad, vice-governadora da província de Nimruz, no sudoeste do Afeganistão, soube que os talibãs tinham acabado de invadir a residência de sua família, horas depois de tomarem a capital, Zaranj. “Eles estão vasculhando casa por casa em busca de integrantes do governo e parentes, com o objetivo de assassiná-los”, relatou ao Correio. A política afegã contou que ela e familiares foram transferidos para um local seguro, fora da cidade de 50 mil habitantes. “Toda a população está com medo de morrer. Algumas pessoas invadiram prédios do governo e estabelecimentos comerciais para cometerem saques”, acrescentou. Zaranj é a primeira capital provincial conquistada pelo Talibã desde fevereiro de 2020, quando os EUA alcançaram um acordo com o grupo sobre a retirada militar norte-americana.
“A situação por aqui é grave. O Talibã tomou o controle de Zaranj e dos três distritos da capital. Eles atacaram o distrito de Kang, situado a 30km de Zaranj. Em Kang, mataram os membros das forças de segurança. Hoje, por volta das 14h (6h30 em Brasília), invadiram a capital”, disse Khaizad. “Eles estavam com muitos equipamentos e armas pesadas. Chegaram à cidade a bordo de Humvees (uma espécie de jipe militar fabricado nos EUA) e carros”, emendou. Até o fechamento desta edição, o presidente afegão, Ashraf Ghani, não tinha se pronunciado sobre a ofensiva talibã.
Morador de Cabul, o jornalista Bilal Sarwary explicou à reportagem que Zaranj é “um importante centro de comércio com o Irã, além de uma rota estratégica para o tráfico de pessoas”. “Considero a tomada pelo Talibã como um enorme golpe ao setor privado do país. O fato de nem mesmo um único tiro ter sido disparado em Zaranj e ainda assim a cidade ter caído para o Talibã mostra a dinâmica complexa no terreno”, disse à reportagem. “Cabul é o alvo dos talibãs. Antes, veremos ataques em larga escala contra as principais capitais provinciais, o início de uma guerra urbana.” Sarwary adverte que os talibãs almejam a restauração do Emirado Islâmico em áreas sob seu controle.
Assassinato
Também em Cabul, o Talibã confirmou o assassinato do jornalista Dawa Kan Menapal, chefe do Serviço de Comunicação do governo do Afeganistão e conhecido por ridicularizar os fundamentalistas nas redes sociais. Ex-porta-voz de Ghani, Menapal foi morto durante as tradicionais orações de sexta-feira. Em seu perfil no Twitter, que reunia quase 143 mil seguidores, ele publicou um vídeo em que ironizava os supostos massacres cometidos pelos milicianos no distrito de Spin Boldak, na província de Kandahar (sul). “A ética e a literatura dos terroristas e dos mercenários paquistaneses dizem que ninguém foi morto em Boldak”, escreveu.
Os Estados Unidos condenaram o assassinato, e a porta-voz da Casa Branca Jen Psaki lembrou que os fundamentalistas “não precisam continuar neste caminho”. “Vocês podem optar por dedicar ao processo de paz a mesma energia que (dedicam) à sua campanha militar. Recomendamos veementemente que o façam”, disse Psaki.
Deborah Lyons, enviada especial da ONU para o Afeganistão, advertiu que a guerra entrou em “uma fase nova, mais mortífera e destrutiva”. Em reunião no Conselho de Segurança, ela pediu aos talibãs para acabarem com esses “ataques contra cidades”, alertou que o Afeganistão ruma a uma “catástrofe” e instou a ONU a lançar uma “declaração inequívoca” contra essa situação.
“Toda a população está com medo de morrer”
Rohgul Khairzad, vice-governadora da província de Nimruz