A um mês do fim da retirada das forças estrangeiras do Afeganistão, insurgentes talibãs fizeram progressos significativos no controle das principais províncias do país. Desde maio, quando começou a última etapa da operação de saída das tropas, liderada pelos Estados Unidos, os fundamentalistas vêm retomando territórios e intensificando a luta contra o Exército em diversas localidades. Uma delas, Kandahar, a segunda maior cidade afegã, foi epicentro do regime rebelde entre 1996 e 2001, período no qual se impôs uma vertente ultraconservadora da lei islâmica. Herat e Lashkar Gah também sofreram importantes avanços no fim de semana.
Na madrugada de ontem, dois foguetes atingiram a pista do aeroporto de Kandahar, provocando a interrupção de todos os voos. O complexo aeroportuário e sua única pista de aterrissagem abrigam uma base aérea militar essencial para o abastecimento das tropas afegãs, que lutam há semanas com os insurgentes nos arredores dessa cidade de 650 mil habitantes.
Os talibãs também se aproximaram dos limites de Herat, no oeste, que foi palco de combates pelo quarto dia consecutivo, e entraram em Lashkar Gah, capital da província de Helmand, vizinha de Kandahar. As forças afegãs responderam, enviando centenas de soldados especiais para Herat, e as autoridades locais pediram reforços em Lashkar Gah.
Uma hipotética queda de Kandahar, ou de Herat, terceira maior cidade afegã, com 600 mil habitantes, seria um desastre para as autoridades afegãs e para o ânimo de suas tropas. Também aumentaria as dúvidas sobre a capacidade de Cabul de deter os inimigos. Os talibãs conquistaram vários distritos de Herat, assim como duas passagens de fronteira na região: a de Islam Qala, principal posto com o Irã, e a de Torghundi, com o Turcomenistão.
Ameaça
Repelidos uma primeira vez no sábado, em Lashkar Gah, os talibãs conseguiram entrar, ontem, na cidade de 200 mil habitantes. “Todos os cantos da cidade foram bombardeados”, contou Badshah Khan, um morador do local. Segundo ele, soldados e insurgentes disputam rua a rua. “Você pode ver os corpos mortos. Há vários deles na praça principal”, acrescentou Khan. Os fundamentalistas, acrescentou, cercaram o escritório central da polícia e a administração do governo regional.
“A ameaça é alta nessas três províncias (Kandahar, Herat e Lashkar Gah), mas estamos determinados a impedir os ataques”, disse o porta-voz das tropas de segurança afegãs, Omar Shinwari, a repórteres. As forças governamentais, porém, oferecem pouca resistência e mal conseguem controlar os grandes eixos de comunicação e as capitais provinciais. Algumas delas estão sob cerco dos fundamentalistas.
Durante os combates de sexta-feira em Herat, o escritório da missão da Organização das Nações Unidas no Afeganistão (Unama) foi atacado por foguetes e armas de fogo. A ofensiva, que causou vários feridos e a morte de um policial afegão que guardava a entrada, “foi realizada por elementos anti-governo”, segundo a Unama.
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, alertou, na semana passada, que o Afeganistão se transformará em um “Estado pária” caso os talibãs consigam tomar o poder pela força e “cometer atrocidades contra seu povo”. Ele classificou de “profundamente preocupantes” as informações de que os insurgentes têm avançado contra civis.
“Os talibãs afirmam que desejam reconhecimento internacional, apoio internacional para o Afeganistão, provavelmente desejam que seus dirigentes possam viajar livremente pelo mundo, a suspensão das sanções etc. Pois bem, tomar o poder pela força e violar os direitos de seu povo não é o modo correto de conseguir isso”, afirmou.