Vítimas

Terapia em grupo, uma ferramenta valiosa para enfrentar o trauma dos atentados

Essa experiência acumulada de apoio a sobreviventes e familiares agora também serve às vítimas de outros atentados

Agência France-Presse
postado em 25/08/2021 13:50 / atualizado em 25/08/2021 13:51
 (crédito: Michael M. Santiago / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
(crédito: Michael M. Santiago / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)

Vinte anos depois, eles ainda se comunicam com frequência: sobreviventes e familiares das vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001 fizeram amizades duradouras através de grupos de terapia, um antídoto eficaz para enfrentar seus traumas.

Jelena Watkins, londrina de origem sérvia, perdeu o único irmão, um engenheiro de informática um ano mais velho do que ela, nos ataques ao World Trade Center.

Ela entrou em 2004 para um grupo de terapia para irmãos de vítimas que conversava por telefone e depois pelo Skype.

"Foi realmente o começo de uma grande amizade", conta. "Os irmãos e irmãs raramente estão no topo da hierarquia familiar (...) Nossas necessidades eram profundas".

A princípio, as conversas giraram em torno da dificuldade de assimilar a morte "sem corpo". Médicos legistas levaram anos para identificar os restos mortais de seu irmão, encontrados em meio aos escombros.

"Falar da identificação de restos humanos" só era possível com este grupo, afirma. Antes, isso "era tabu" para ela.

Depois do 10º aniversário dos atentados, quando os membros do grupo finalmente se encontraram cara a cara para a inauguração do Memorial do 9/11 em Nova York, o grupo foi se dissolvendo pouco a pouco. Mas Watkins permaneceu em contato com dois membros da Califórnia e conversou com eles durante toda a pandemia.

"Não entendem" 


A vida de Matt Winter, que perdeu 87 colegas nas Torres Gêmeas, mudou completamente depois dos ataques.

Na época ele tinha 32 anos, acabara de chegar da Califórnia e naquele dia caminhava rumo ao WTC, onde devia trabalhar toda a semana, quando aconteceu a tragédia.

O ocorrido o marcou tanto - vários colegas presos nas torres lhe enviaram mensagens e ele "não podia ajudá-los" - que ele cancelou seu noivado, previsto para alguns dias depois, e nunca pôde realmente voltar a trabalhar.

Ele mora em San Francisco e demorou anos para encontrar em 2020 um grupo de terapia em que pode dizer "coisas que inclusive os terapeutas ou meus melhores amigos não sabem".

Para este homem que desde aquele dia devora livros sobre os grandes cataclismos da História, sua experiência é similar à dos sobreviventes da bomba de Hiroshima ou inclusive do Holocausto.

"Temos a tendência de minimizar o trauma porque outros passaram por coisas muito piores", resume.

Joseph Dittmar, sobrevivente do 105º andar da torre sul do World Trade Center, também encontrou alívio e apoio durante anos em um grupo de terapia para sobreviventes em Chicago.

"Não podem imaginar o bem que nos fez compartilhar as emoções", disse.

Annie Witlen, que agora mora perto de Los Angeles, mas em 2001 trabalhava perto das Torres Gêmeas e foi voluntária no Marco Zero após os atentados, entrou recentemente para um grupo terapêutico, mas já colhe os frutos.

Tem gente que diz "como, 20 anos depois, você ainda não terminou com isso?", conta. "Não entendem o que é ver o desabamento" das torres. "É como um alcoólatra que vê um bêbado cair. É preciso ser alcoólatra para compreender".

Mais de 2.000 grupos 


Assim como muitos, Witlen gostaria que estes grupos continuassem funcionando com financiamento apropriado.

A associação "Vozes do 9/11", fundada após os atentados para representar as famílias das vítimas, organizou sozinha mais de 2.100 grupos, entre eles os de Jelena Watkins e Matt Winter, disse sua cofundadora, Mary Fetchet.

Antes de perder seu filho, Bradley, nos ataques, Fetchet, então assistente social, já tinha ouvido falar das repercussões psicológicas dos atentados.

Ela ouviu a mãe de uma vítima do atentado a bomba em Oklahoma City - que deixou 168 mortos e centenas de feridos em 1995 - descrever um aumento de casos de depressão, violência conjugal e abuso de drogas em sua cidade depois do ataque.

Em outubro de 2001, ela começou a reunir familiares de vítimas em sua casa em Connecticut, antes de criar os primeiros grupos formais no fim de 2002.

Eram grupos com menos de dez pessoas para maximizar "a experiência compartilhada": havia grupos para pais, cônjuges ou irmãos das vítimas, e inclusive um para as mães dos bombeiros, cada um com um mediador profissional.

Com o passar do tempo, as atividades formais foram suspensas, mas o companheirismo permaneceu. Seus membros se comunicam na proximidade de um aniversário dos atentados ou quando acontece alguma coisa que relembre o trauma, como a pandemia ou o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro.

Essa experiência acumulada de apoio a sobreviventes e familiares agora também serve às vítimas de outros atentados.

O "Vozes" colabora sobretudo com a Invictim, uma organização internacional de apoio às vítimas de terrorismo e com o governo canadense nas necessidades das famílias de vítimas de atentados.

"Ainda há muito a fazer para que os profissionais compreendam realmente do que as famílias das vítimas, os socorristas e os sobreviventes precisam após uma tragédia", diz Fetchet.

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