AFEGANISTÃO

Casa Branca negocia resgate com talibãs; cerca de 6 mil soldados estão em operação

Joe Biden admite que retirada de civis americanos e de colaboradores do aeroporto de Cabul é uma das operações mais difíceis da história e não garante resultado

Rodrigo Craveiro
postado em 21/08/2021 06:00
 (crédito: Wakil Kohsar/AFP)
(crédito: Wakil Kohsar/AFP)

O norte-americano Hussein (nome fictício) desabafa ao Correio: “Eu não estou em situação de falar com ninguém, pois estamos presos aqui, o que é muito perigoso”. Na quarta-feira, ao tentar chegar à Embaixada dos Estados Unidos, em Cabul, um insurgente talibã apontou uma arma para o seu peito.

“Eu já fui identificado pelo Talibã, o que é algo grande, terrível e ameaçador”, acrescentou Hussein. A 11 mil quilômetros da capital do Afeganistão, em Washington, o presidente Joe Biden falava à nação sobre o caos no Aeroporto Internacional Hamid Karzai e fazia uma advertência sombria.

“Não posso garantir o que será o resultado final (da operação de resgate dos americanos em Cabul) ou o que ele será — se será sem o risco de perdas. Mas, como, comandante-em-chefe, posso garantir a vocês que mobilizarei todos os recursos necessários”, afirmou. “Este é um dos maiores e mais difíceis resgates aéreos da história”, reconheceu.

Soldados dos EUA deixaram o perímetro do aeroporto, brevemente, para “resgatar” 169 cidadãos norte-americanos que estavam muito perto dali. “Em pouco tempo e a curta distância, alguns soldados puderam sair, resgatá-las e levá-las” ao aeroporto, explicou o porta-voz do ministério da Defesa, John Kirby.

A milícia fundamentalista islâmica Talibã impôs postos de controle nos arredores do terminal aéreo e impediria os afegãos de abandonarem Cabul. A rede de TV CNN divulgou que o secretário da Defesa, Lloyd Austin, contou a deputados que talibãs teriam golpeado norte-americanos. Depois de horas de interrupção, ante a saturação de bases dos EUA para receber os voos, as operações de resgate foram reativadas na tarde de ontem.

Em seu discurso, Biden tornou a defender a retirada de tropas estrangeiras do país, apesar da retomada do poder pelo Talibã, 20 anos depois do início da ocupação militar. “Que interesse nós temos no Afeganistão, neste momento, agora que a Al-Qaeda se foi? Nós fomos ao Afeganistão com o propósito expresso de nos livrarmos da Al-Qaeda no Afeganistão, bem como de capturar Osama bin Laden. Nós o fizemos”, disse, ao lembrar que a guerra custou entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões por dia.

O democrata admitiu que, enquanto trabalham na logística de remoção dos americanos, os EUA estão em “constante contato com o Talibã”. A intenção, segundo ele, é assegurar que todo o compatriota que desejar sair do país chegue ao aeroporto em segurança.

“Qualquer ataque às nossas forças ou interrupção de nossas operações no aeroporto terá uma resposta rápida e enérgica”, reafirmou Biden, quatro dias depois de ter feito a advertência à milícia afegã. Os EUA mantêm quase 6 mil soldados em Cabul. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) instou o novo regime do Talibã a não dificultar a saída dos estrangeiros e dos afegãos que quiserem fugir de Cabul.

Em entrevista ao Correio, Najibulalh Lafraie — ministro das Relações Exteriores do Afeganistão entre 1992 e 1996, ano em que o Talibã ascendeu ao poder pela primeira vez — afirmou que os EUA e aliados evacuaram milhares de seus cidadãos e de afegãos que cooperaram com a ocupação.

“Pelo que escutei de um familiar meu que está sendo retirado, ele recebeu instruções sobre como se aproximar do aeroporto e entrar no terminal. Apesar disso, uma vez que o número de colaboradores dos americanos é imenso, levar todos eles me parece uma missão quase impossível. A declaração de Biden é principalmente para absolver-se de qualquer culpa no futuro”, avaliou.

Um morador de Cabul enviou à reportagem vídeo sobre um tiroteio do lado de fora do aeroporto de Cabul — incidente registrado na tarde de quinta-feira. Mas imagens, insurgentes do Talibã disparam para o alto, enquanto homens, mulheres e crianças correm e se lançam ao chão na tentativa de se protegerem. “Isso ocorre a cada segundo nos portões do aeroporto”, garantiu ele.

Na sexta-feira, sagrada para os muçulmanos, uma cena atípica expôs a nova realidade do Afeganistão. Um talibã armado com um fuzil manteve guarda ao lado do imã, na Mesquita Abul Rahman, em Cabul. “Aqueles que têm pouca fé correm atrás dos aviões americanos. Eles não são boas pessoas, deveriam ficar e construir o seu país”, disse um clérigo islâmico.

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“Não vejo a retirada das tropas dos EUA como um erro. Vejo a invasão americana ao meu país como um erro! Como Joe Biden acertadamente mencionou, se agora não é o momento certo para a saída, quando será? Escutei alguns trechos do discurso de Biden e li os trechos destacados. Interessante o fato de ele ter enfatizado que os norte-americanos estão em contato com o Talibã, tanto em Cabul quanto em Doha, sobre o processo de resgate.”

Najibullah Lafraie, ministro das Relações Exteriores do Afeganistão entre 1992 e 1996

» Trechos

“Eu não posso prometer o que será o resultado final (da operação de resgate) ou o que ele será — se será sem o risco de perdas. Mas, como comandante-em-chefe, posso garantir a vocês que mobilizarei todos os recursos necessários.”

“A última semana foi de partir o coração. Vimos imagens angustiantes de pessoas em pânico, agindo por puro desespero. Vocês sabem, é completamente compreensível. Eles estão aterrorizados. Estão tristes, incertos sobre o que ocorrerá.”

“Este é um dos maiores e mais difíceis resgates aéreos da história. E o único país no mundo capaz de projetar tanta potência do outro lado do mundo com esse grau de precisão são os Estados Unidos da América.”

“Enquanto continuamos o trabalho de logística da evacuação, estamos em constante contato com o Talibã, trabalhando para assegurar a passagem segura de civis para o aeroporto.”

“Nós usaremos todos os recursos necessários para realizar a missão e trazer para casa, em segurança, os cidadãos americanos e nossos aliados afegãos. Este é o nosso foco agora.”

“Quando isso for finalizado, nós completaremos nossa retirada militar e finalmente poremos fim a 20 anos de ação militar americana no Afeganistão.”

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