Afeganistão

A resistência contra os talibãs em Panshir, uma aventura incerta

A organização de uma resistência armada aos talibãs no vale de Panshir ao redor de duas figuras emblemáticas, Amrullah Saleh e o filho de Massud

Agence France-Presse
postado em 20/08/2021 18:26 / atualizado em 20/08/2021 18:27
 (crédito: Hoshang Hashimi / AFP)
(crédito: Hoshang Hashimi / AFP)

A organização de uma resistência armada aos talibãs no vale de Panshir ao redor de duas figuras emblemáticas no Afeganistão, o ex-vice-presidente Amrullah Saleh e o filho do falecido comandante Massud, pode gerar barulho, mas o sucesso é incerto, afirmam analistas entrevistados pela AFP.


Em vários textos publicados nos últimos dias, Ahmad Massud, filho do comandante Ahmed Shah Massud - assassinado em 2001 pela Al-Qaeda -, convocou a resistência de Panshir e pediu apoio internacional na forma de armas e munições.


O ex-vice-presidente prometeu que não vai aceitar o governo dos talibãs e seguiu para este vale. Os dois homens aparecem juntos em imagens divulgadas nas redes sociais, o que pode representar o primeiro capítulo de um movimento de resistência.


O ex-vice-presidente Abdullah Abdullah postou nesta sexta-feira (20) no Facebook fotos ao lado do ex-presidente Hamid Karzai falando com personalidades do Panshir, poucos dias depois de ambos terem se reunido com líderes talibãs.

 

- Resistência virtual -


No vale de Panshir, ao nordeste de Cabul, não está sob controle talibã, segundo o ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov. Mas isto não significa que é cenário de combates.


"No momento, a resistência é verbal, porque os talibãs não tentam entrar em Panshir", disse Gilles Dorronsoro, professor de Ciências Políticas na Universidade Paris 1 Pantheon-Sorbonne e especialista em Afeganistão.


"Mas cercam o Panshir por todos os lados", afirma Abdul Sayed, cientista político da Universidade de Lund, na Suécia.


A ONG italiana Emergency informou na quarta-feira "um número crescente de feridos de guerra" em seu hospital neste vale.


"Não há combates atualmente em Panshir, mas podem acontecer disputas na estrada do vale", declarou à AFP, sob anonimato, um francês que conhece bem a região e combateu nos anos 1990 ao lado do comandante Massud.


"Os talibãs construíram sua vitória em um ataque relâmpago e com a rendição, conseguiram sem muita violência", afirmou Dorronsoro. "Um ataque frontal ao Panshir com todo seu peso simbólico iria contra a vontade que mostram de normalizar seu movimento", completa.


Um vive à sombra da lenda do país, mas tem pouco peso político; o outro integrou as esferas de poder no Afeganistão nos últimos anos e é profundamente político.


"As relações entre Ahmad Massud e Amrullah Saleh são um pouco complicadas. Desde o início há uma dissonância entre os dois", afirma Dorronsoro.


"Massud não tem posição oficial no regime, ele é alguém que não tem um forte apoio no Afeganistão fora de Panshir", indica.


Na opinião do ex-combatente francês, o filho precisa conviver com o "fantasma paterno" e a "lenda" do pai.


"Ele se sente portador de um legado (...) Ele afirma: 'se alguém deve iniciar a resistência, eu devo fazer isso'", acredita o ex-combatente.


Saleh "pretende ser constitucionalmente o presidente afegão legítimo após a fuga de Ashraf Ghani", afirma Abdul Sayed.

 

- Estratégia de negociação -


"E quais são os objetivos? Negociar com os talibãs ou uma verdadeira resistência armada"?, questiona o pesquisador da universidade parisiense.


"Os interesses de Panshir atualmente são defendidos politicamente em Cabul por (o ex-chefe de Governo) Abullah Abdullah, que negocia com os talibãs, e pelos tios de Massud que estão negociando no Paquistão", afirma o ex-combatente.


Ele entende a resistência como "uma forma de ter peso nas negociações de Cabul para que os interesses de Panshir sejam defendidos e para que, em um determinado momento, Abdullah ou a família convoquem Massud e digam: 'Tudo bem, pode parar, temos um acordo'".


Mas Saleh não segue a mesma lógica porque é "inimigo pessoal dos talibãs", adverte.


Apesar de tudo, Dorronsoro não descarta que o ex-vice-presidente tente negociar com os novos líderes do país "porque fala de um processo de paz que deveria ser mais inclusivo".


"Militarmente, isto não leva a lugar nenhum", afirma o pesquisador francês. "Os talibãs querem apenas fechar Panshir, nem sequer precisam entrar", alerta.


Massud "tem jovens, veículos, helicópteros, munições, ele se prepara há meses", mas tem recursos para ficar entrincheirado no vale e pouco mais, concorda o ex-combatente francês.


Ainda é necessário conhecer a posição de eventuais patrocinadores estrangeiros que demonstrem interesse em ver uma resistência ativa, seja pela aura da lenda de Massud ou por oposição à criação de uma teocracia no país.

 

 

 

© Agence France-Presse

 

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