A vida é cheia de dilemas do tipo custo afundado. Esses custos são todos aqueles investimentos irrecuperáveis que alguém fez em algo e que funcionam como uma barreira mental, impedindo que se desista de um mau investimento. Tem a ver com um sentimento de aversão à perda, comum a seres humanos e outros animais. Enquanto aversão à perda é uma característica importantíssima da nossa humanidade, levar em conta o custo afundado em decisões objetivas é uma falácia.
Assim, esses custos afundados são problemáticos quando usados para fazer uma projeção sobre o futuro. O problema surge no sentido de que o passado aprisiona o futuro. A pessoa se agarra em algo em que investiu muito, mesmo que as perspectivas não sejam boas. Esse conceito, muito usado para avaliar empreitadas empresariais, serve para entender o dilema dos EUA nos quase 20 anos de ocupação do Afeganistão. Evitem a falácia e saiam. E se for para voltar, que voltem amigos do Afeganistão.
Daqui a poucas semanas, no aniversário do fatídico atentado de 11 de setembro em Nova York e em Washington, as tropas americanas se retirarão de vez da guerra mais longa da sua história. Centenas de milhares de afegãos morreram na guerra que, por conta de avanços tecnológicos, custou a vida de um número bem menor de combatentes americanos. Qualquer vida perdida em uma guerra evitável é muito, mas a habilidade de ter conseguido manter as casualidades abaixo de 3 mil soldados do lado dos EUA funcionou para esticar a corda por duas décadas.
Segundo a Universidade Brown, entre custos diretos e indiretos, a guerra levou US$ 2,2 trilhões até aqui. Oficialmente, a investida custou cerca de US$ 1 trilhão no acumulado dos anos, valor equivalente ao programa de investimentos em infraestrutura doméstica aprovado dias atrás no Congresso dos EUA.
Apesar de muito se falar da reconstrução do Afeganistão, do custo trilionário afundado na guerra, apenas cerca de US$ 40 bilhões foram direcionados à ajuda humanitária e ao desenvolvimento do país, o que, convenhamos, é um percentual baixíssimo. O restante foi quase tudo para guerra e para a segurança. Os outros US$ 88 bilhões que ficaram com os afegãos foram direcionados para montar essas forças de segurança locais, que estão caindo para os talibãs desde o momento em que os EUA iniciaram a retirada.
O grande dilema americano durante todos esses anos foi do tipo custo afundado. Todo ano o futuro da ocupação se mostrava desastroso, mas se pensava em tudo o que tinha sindo investido e, investindo um pouco mais, seria possível “consertar” o Afeganistão. O balanço destruição/construção pende pesadamente para a situação custo afundado. Esse modelo de ocupação militar sem perspectiva de compromissos econômicos e culturais funciona menos do que o colonialismo na época dos impérios ultramarinos, que ninguém deseja que volte. Já no Afeganistão isso é bem menos claro. Os EUA entraram e, em poucas semanas, desalojaram os talibãs. Agora saem, e em poucas semanas, voltam os talibãs com a violência de sempre. Legado? Não se sabe.
A decisão inicial de invadir Cabul, em 2001, tomada no calor do atentado, foi equivocada. Na ocasião, falharam os pesos e contrapesos dos EUA, como também falhou a ONU. Não se declara guerra a um país para se correr atrás de um grupo estrangeiro em tal nação. Mesmo com o Afeganistão invadido, lá se foram 10 anos até conseguirem chegar a Osama bin Laden. Sem a invasão, a compaixão no Oriente Médio teria encontrado jeito de entregar o criminoso a um custo menor.
Muitos outros problemas brotaram da malfadada invasão, e o passado segue teimando em não passar. Com a retirada dos EUA, quem está voltando ao poder são precisamente os talibãs — em parte impulsionados pelo vizinho Paquistão. O grupo controla mais da metade das capitais provinciais do país. Os EUA já negociam para que os talibãs façam uma invasão ordeira de Cabul.
Na melhor das hipóteses voltamos a uma situação tão ruim quanto a de 20 anos atrás. Logo, é hora de investir em algo diferente e menos mortífero. Pois, quando o esforço vai para aquilo que você gosta, não existe dilema do tipo custo afundado. Isso vale para as relações pessoais e afetivas, mas também para muitas decisões civis e políticas. Os EUA podem investir a vida toda em seu próprio país sem se questionar se a nação é viável, nem imaginar que haveria retorno melhor investindo alhures.
Por ora, aos afegãos, afundados em suas terras ocupadas, resta mais uma vez lutar para quem é de luta; fugir para quem não é de morte; subir às montanhas para tentar enxergar um futuro diferente e melhor para além da pilha de danos colaterais e destroços ali deixados.
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