Nicarágua

Opositores de Ortega explicam escalada autoritária de presidente na Nicarágua

Com mais de 30 opositores presos, inclusive sete presidenciáveis, país enfrenta radicalização.

Rodrigo Craveiro
postado em 08/08/2021 06:00
 (crédito: Oswaldo Rivas / AFP)
(crédito: Oswaldo Rivas / AFP)

Cerca de 30 opositores ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, estão na prisão, sem acesso às garantias fundamentais. O partido de direita Cidadãos pela Liberdade (CxL), principal ameaça à reeleição do sandinista de 75 anos, acaba de ser inabilitado pelo Conselho Supremo Eleitoral (CSE) e impedido de ir às urnas, a 91 dias da votação. Há 14 anos no poder, Ortega segue a cartilha autoritária para anular os adversários políticos.

De acordo com o jornal La Prensa, Félix Maradiaga e Juan Sebastián Chamorro, pré-candidatos à Presidência da Nicarágua, estão detidos há dois meses, sem acesso aos familiares ou a advogados. As principais lideranças do CxL não escondem o medo, depois do mergulho forçado na clandestinidade. Ontem, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, alertou que as eleições marcadas para novembro “perderam toda a credibilidade” ante as manobras “autocráticas” de Ortega.

Um dos comandantes da luta contra o sandinismo na década de 1980 e até anteontem candidato presidencial pelo partido CxL, Óscar Sobalvarro falou ao Correio (Leia Quatro perguntas para), criticou a estratégia de Ortega e prometeu resistir. “Nós continuaremos organizados, sendo a voz do povo que deseja uma Nicarágua em liberdade, prosperidade e justiça. Esgotaremos todos os recursos constitucionais, a fim de recuperarmos a nossa personalidade jurídica. Seremos a esperança deste povo lutador”, afirmou, por meio do WhatsApp.

Presidente do Coletivo de Direitos Humanos Nicarágua Nunca Mais, Gonzalo Carrión Maradiaga disse à reportagem que Daniel Ortega e a primeira-dama e vice, Rosario Murillo, são uma ameaça à democracia e para todo o país. “Eles retornaram ao comando, em 2007, com uma maioria muito precária na votação. Nos primeiros meses, começaram a tomar medidas para concentrar, de maneira absoluta, o poder. Houve uma deterioração dos direitos humanos, da institucionalidade e do Estado de direito, com ações de governo tomadas por decreto”, avaliou.

Ameaça
Para Gonzalo, será impossível a realização de eleições livres em meio a uma “ditadura feroz”. “Falar sobre liberdade na Nicarágua é uma contradição. O cancelamento da personalidade jurídica do partido CxL é parte de um esquema fraudulento. Parece-me que o CxL representava uma ameaça ao poder dinástico de Ortega-Murillo. Na Nicarágua, não existe nenhuma condição para que o povo exerça o direito universal ao voto”, explicou o advogado e ativista, que está exilado na Costa Rica há 31 meses.

A anulação do CxL, na opinião dele, é um “abuso de poder” e uma violação a todo o tipo de procedimento constitucional. “A manobra representa a pretensão de uma família obcecada pelo poder de que nenhuma opção eleitoral coloque em perigo o seu desejo de perpetuar no poder”, acrescentou Gonzalo.

Até o fechamento desta edição, a Nicarágua mantinha cerca de 150 presos políticos, entre os quais 30 opositores e sete candidatos à Presidência. “Essas pessoas estão sequestradas, isoladas, sem comunicação com suas famílias e sem assistência judiciária”, denunciou Gonzalo. “Meu país vive mais de três anos com sistemáticas violações de direitos humanos e crimes de lesa humanidade.”

Membro da Aliança Universitária Nicaraguense e um dos organizadores dos protestos de 2018, cuja repressão deixou 328 mortos e 2 mil feridos, Jerry Urbina lamenta o atropelo à democracia com a invalidação do principal partido político da oposição. “É uma sentença de ilegitimidade das eleições, pois alijou da disputa a principal força opositora.

A consequência será um desconhecimento do resultado da votação por parte da maioria dos cidadãos”, disse ao Correio. “Isso poderá levar a protestos e rebeldia social. O nicaraguense reage com preocupação ante o perigo de ver o país convertido em um sistema unipartidário.”


“Conselho” de Lula

Na semana passada, em entrevista a uma emissora de TV mexicana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dirigiu-se a Ortega. “Se eu pudesse dar um conselho ao Daniel Ortega, daria a ele e a qualquer outro presidente: não abra mão da democracia. Não deixe de defender a liberdade de imprensa, de comunicação, de expressão, porque isso é o que favorece a democracia”, declarou. Lula disse que a Nicarágua “é um modelo de esquerda que arrasa a democracia”.


Quatro perguntas para

Óscar Sobalvarro, ex-candidato a presidente pelo partido Cidadãos pela Liberdade (CxL) e ex-chefe da “contrarrevolução”

Como o senhor vê a escalada autoritária de Ortega?
Ele procura estabelecer um partido único no país.

De que maneira o senhor recebeu a decisão do Conselho Supremo Eleitoral de invalidar o seu partido?
Eles tiveram medo de que pudéssemos unir um povo inteiro, que se manifestaria de forma massiva nas eleições de 7 de novembro, o que impossibilitaria a consumação de uma nova fraude.

A comunidade internacional pode ajudar a Nicarágua a encontrar o rumo da democracia?
A Lei 1.055 me proíbe de falar sobre esse tema.

Como analisa a perseguição atual do regime aos opositores?
Estamos tratando de nos resguardar de outras ações que poderiam ser tomadas contra nossa estrutura e nossa militância. 

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