PERU

Um azarão no poder

Sem apoio das elites, do Congresso, da mídia e dos militares, o esquerdista Pedro Castillo toma posse na quarta-feira com o desafio de recuperar a estabilidade em um país que teve três presidentes em uma semana. Analistas veem fragilidade e incertezas

Ele é considerado um “outsider” na política peruana. Eleito para a cadeira mais cobiçada da Casa de Pizarro, sede do governo, terá a tarefa de comandar o país até 2026. Professor de uma escola rural, o esquerdista Pedro Castillo Terrones, 51 anos, é a própria antítese da figura de líder segregador: chega ao poder sem apoio da mídia, totalmente alijado das elites e à frente de um partido considerado pequeno. A partir de quarta-feira, quando tomará posse, o 130º presidente do Peru terá que lutar contra tudo e todos para recolocar a nação nos rumos da estabilidade democrática — em novembro passado, foram três mandatários em uma semana. Em duas décadas, a Justiça acusou formalmente cinco ex-presidentes por corrupção; um deles, Alan García, atirou contra a própria cabeça, em 17 de abril de 2019. A baixa votação no primeiro turno e a vitória apertada, no segundo, se impõem como desafios à governabilidade.

Os primeiros 1.825 dias de governo de Castillo prometem ser complicados. Sem maioria no Congresso, ele precisará forjar alianças e construir a legitimidade, antes de impulsionar o plano de reforma da Constituição, uma de suas promessas de campanha. Professor de ciência política da Pontifícia Universidad Católica del Perú (PUCP), Mauricio Zavaleta antevê muita incerteza na conjuntura do próximo governo. “Castillo será um presidente solitário, apenas acompanhado por um punhado de políticos que se somaram a ele na reta final da campanha. Ele nem mesmo milita no Perú Libre, partido pelo qual disputou as eleições”, explicou ao Correio. “Também terá um Congresso opositor. É um candidato com pouco suporte e parca qualidade. Chega ao poder em um cenário bastante adverso. O que podemos esperar é muito mais instabilidade e um governo bastante errático”, acrescentou.

Zavaleta aposta que a oposição não perderá tempo em confrontar Castillo, o que poderá ser um elemento a mais de erosão de sua presidência. Para tentar compensar a fragilidade, o chefe de Estado eleito busca cortejar representantes de todos os matizes políticos, uma forma de assegurar representatividade dos diversos setores em sua gestão e evitar a instabilidade sem precedentes que acometeu o país nos últimos cinco anos.

“A queda, a disfuncionalidade da política peruana, está associada à absoluta decomposição do sistema de partidos. Os políticos que orientaram o sistema político, durante os 15 primeiros anos de democracia, viram-se envolvidos em escândalos de corrupção. Em termos políticos, o Peru é uma terra sem institucionalidade”, advertiu Zavaleta. “O Parlamento converteu-se em agência de interesses particulares, sem intenção de propor legislaturas de caráter duradouro ou substancial. O mais provável é que a instabilidade prossiga, pelo menos até que os partidos se reconstituem, nos próximos anos.”

Legitimidade

Para Oscar Vidarte Arévalo, mestre em relações internacionais e também professor de ciência política da PUCP, Castillo tem consciência de que o Perú Libre, partido que mantém em seu ideário uma proposta de esquerda bastante radical, não lhe corresponde. “Pequena e originária do interior, a legenda busca se aproximar de setores mais moderados da centro-esquerda, da esquerda progressista e do centro. O fato de sua vitória ter sido reconhecida pela maior parte dos países e por organizações internacionais lhe empresta legitimidade. No entanto, setores peruanos de grande poder econômico questionam a eleição e criaram uma narrativa de fraude”, disse à reportagem.

Arévalo acredita que o futuro de Castillo dependerá das alianças que fizer e de uma série de decisões a serem tomadas. Ele lembra que, no primeiro turno, o esquerdista foi eleito com apenas 18,92% dos votos. “A população está na expectativa sobre os rumos do país. Se o Peru tomará um caminho mais parecido com o da Venezuela ou da Bolívia, ou se seguirá um modelo mais moderado”, explicou. “Castillo não conta com a maioria no Congresso nem tem apoio de setores empresariais ou militares. Construir a governabilidade será o mais difícil.”

A opinião é compartilhada por Zavaleta. “Castillo não tem muita clareza sobre o que pensa em relação ao país. Ele chegou ao segundo turno com menos de 20% dos votos, o que indica fragilidade”, afirmou. Durante a campanha eleitoral, o líder sindical e professor de escola rural defendeu a necessidade de substituir a atual Constituição, proclamada em 1993. Nesse sentido, a nova Carta Magna obedeceria a um programa redigido pela esquerda peruana há algumas décadas. Zavaleta observa que o ranço de Castillo com a Constituição se dá ao fato de o texto ter sido escrito durante o governo de Alberto Fujimori e constar disposições marcadamente liberais. “O problema é que uma Assembleia Constituinte não necessariamente teria maioria própria de Castillo”, advertiu.

O novo presidente do Peru abraça uma agenda mais conservadora, apesar de ser adepto do socialismo. Zavaleta explicou que, no país, duas esquerdas convivem no espectro político. “Uma é mais progressista, urbana e moderada, que busca redistribuir riquezas e reconhecer os direitos das minorias. Outra, da qual Castillo faz parte, é mais tradicionalista,´provinciana e nacionalista; defende o controle dos recursos naturais e a presença mais ativa do Estado, além de ser mais conservadora em questões sociais.” Castillo se colocou contra o aborto e o casamento gay.

De acordo com Arévalo, um dos maiores desafios do novo líder será impulsionar mudanças exigidas para a política peruana. Ele citou que as transformações têm ocorrido nos últimos anos, porém, de forma bastante lenta. “Precisamos consolidar os partidos políticos, que não se mostram sólidos no Peru. Há muita informalidade em torno das legendas e das exigências para criar novos partidos”, exemplificou. Um entrave e mais para a estabilidade política.

Pesonagem da notícia

Quando apela à moral conservadora para justificar a rejeição ao aborto, ao casamento gay e à morte assistida, Pedro Castillo Terrones quase sempre recorre a passagens da Bíblia. Nascido em Puña, povoado do distrito de Chota, região de Cajamarca, o novo presidente do Peru é um professor de escola rural que abandonou o anonimato depois de comandar uma greve do magistério. Sob o lema “Não mais pobres em um país rico”, o candidato do partido Perú Libre, de inclinação marxista-leninista, derrotou Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), com uma diferença de pouco mais de apenas 44 mil votos.

Casado com Lilia Paredes, Castillo tem três filhos, um deles adotado. Sua mulher é evangélica, mas ele é católico. Sua mistura de moral conservadora e reivindicações sociais por mudanças se adaptou bem a um país onde a religião costuma ser um fator eleitoral. A proposta eleitoral do Perú Libre se baseia em uma tríade: saúde, educação e agricultura, setores prioritários para promover o desenvolvimento nacional, segundo Castillo. Ele faz questão de frisar que não é chavista, nem comunista. “Ninguém veio desestabilizar este país. Somos trabalhadores, lutadores, empreendedores”, declarou o professor de 51 anos, em comício realizado em Lima, no mês passado.

Pontos de vista

Por Mauricio Zavaleta

Combate urgente à pandemia

“A ação mais urgente a ser tomada pelo presidente Pedro Castillo será o enfrentamento da pandemia da covid-19 no Peru, que registrou 195.243 mortes. O número de óbitos, em termos percentuais, é o mais drástico em todo o planeta. Em média, um em cada 200 peruanos morreu vitimado pela doença. No curto prazo, ele precisará abordar a situação sanitária e acelerar o processo de vacinação. No médio prazo, ele terá que reformar o sistema de saúde e suprir as aulas perdidas pelos estudantes durante a pandemia. Outra urgência será resolver o crescimento exponencial da pobreza, ocorrido nos últimos anos.”

Professor de ciência política da Pontifícia Universidad Católica del Perú (PUCP)


Por Oscar Vidarte Arévalo

Reaquecimento da economia

“A tarefa mais urgente para o presidente Pedro Castillo será lidar com a pandemia e com a recessão econômica. Ele precisa comprar vacinas e reativar a economia, fazer com ela cresça em um patamar de 8% a 9%. A proposta de Castillo inclui uma série de outras coisas, como a reforma da Constituição. No entanto, está claro que as prioridades são outras, como o tema agrário, que o ajudou a ser eleito. Isso deveria ser uma prioridade: uma grande revolução do setor agrícola, para que beneficie setores não contemplados pelas reformas liberais dos últimos 30 anos.”

Internacionalista e professor da Pontifícia Universidad Católica del Perú (PUCP)


Por Milagros Campos Ramos

Inexperiência e minoria

“Pedro Castillo é um presidente em minoria. Ele conta, atualmente, com apenas 28% das cadeiras no Congresso. Poderia até receber o apoio de alguns parlamentares, mas o Congresso está por demais fragmentado e polarizado. Suas principais propostas de governo exigirão a maioria absoluta dos votos no plenário. Além disso, o presidente carece de experiência política.”

Professora de direito constitucional da Pontifícia Universidad Católica del Perú (PUCP)