Mesmo sob fortes medidas de segurança, distúrbios eclodiram, ontem, na cidade de Cap-Haitien, durante o funeral do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, assassinado a tiros há duas semanas. Foi o segundo dia consecutivo de atos de violência, numa reflexo da instabilidade que toma conta do país e foi agravada pelo crime, ocorrido no último dia 7, na residência oficial de Porto Príncipe, e ainda envolto em mistério.
Representantes de delegações estrangeiras, corpo diplomático e integrantes do governo chegaram a ser retirados do local da cerimônia, em um momento crítico. Tiros disparados nas ruas foram ouvidos de dentro do complexo onde o velório foi realizado, implicando na saída apressada das autoridades, em meio a uma nuvem de gás lacrimogêneo disparado pela polícia.
As autoridades se revezaram para apresentar condolências a Moïse. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, enviou uma delegação de alto escalão ao funeral, incluindo sua embaixadora nas Nações Unidas, Linda Thomas Greenfield, e seu novo enviado especial para o Haiti, Daniel Foote. Os funcionários, no entanto, não permaneceram muito tempo.
“A delegação presidencial está segura e completa após o tiroteio reportado durante o funeral. Todos estão de volta aos Estados Unidos”, disse Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca. “Estamos profundamente preocupados com a agitação no Haiti”, acrescentou.
Desabafo
Recuperada dos graves ferimentos que sofreu no atentado, Martine Moïse, viúva do presidente, relembrou a trajetória empresarial do marido antes de ingressar na política. Com um braço na tipoia, após ter sido tratada em um hospital na Flórida (Estados Unidos), e o rosto coberto por uma máscara, ela carregava durante todo o tempo uma foto do marido.
Diante do caixão, a viúva lamentou o trágico fim de Joven Moïse, nas palavras dela “selvagemente assassinado”, abandonado e traído. “Que crime você cometeu para merecer tal punição?”, indagou. “Ele estava bem ciente dos vícios desse sistema podre e injusto”, afirmou, acrescentando: “Um sistema que, antes dele, poucos quiseram enfrentar.”
Os elogios da primeira-dama, porém, contrastam com a forte desconfiança que Moïse despertou em grande parte da população antes de sua morte. Muitos o acusavam de inércia diante da crise e de uma postura autoritária. Depois do crime, o clima de volatilidade só se agravou, sobretudo pelas especulações sobre a autoria intelectual e motivações.
Mais de 20 pessoas foram presas pelo atentado, a maioria colombianos. A polícia afirma que o plano foi organizado por haitianos com ligações fora do país e ambições políticas.
Presente em Cap-Haitien, o diretor-geral da Polícia Nacional, Léon Charles, foi vaiado na quinta-feira enquanto supervisionava as operações de segurança do funeral. Os haitianos o criticam por não ter sido capaz de proteger o presidente, cuja morte reacendeu tensões históricas entre o norte do Haiti, onde está Cap-Haitien, e o oeste, que abriga a capital, Porto Príncipe.
Entre outros fatores, existe um antigo antagonismo entre os negros descendentes de escravos do norte e os mestiços, também chamados mulatos, do sul e do oeste. Os moradores chegaram a erguer barricadas nas estradas que levam a Cap-Haitien para impedir que as pessoas da capital comparecessem ao funeral.
O novo primeiro-ministro Ariel Henry, que assumiu o cargo há três dias, prometeu levar à Justiça os responsáveis pelo crime. Ao tomar posse, ele também garantiu que vai restabelecer a ordem no país e organizar as eleições exigidas pela população e comunidade internacional.
Por enquanto, o país não tem um parlamento funcional e possui poucos senadores eleitos. O governo interino não tem presidente. Moïse governou o país, o mais pobre das Américas, por decreto, depois que as eleições legislativas de 2018 foram adiadas devido a várias disputas.
Missão assistencial
Uma missão diplomática da Colômbia viajará ao Haiti entre amanhã e terça-feira para dar assistência aos mercenários presos por suposto envolvimento no assassinato do presidente Jovenel Moïse. A equipe de quatro integrantes tem como incumbência “verificar as condições nas quais se encontram os detidos, assim como adiantar a gestão para a repatriação dos corpos dos ex-militares que faleceram” pelas mãos das autoridades haitianas após o crime.
“Estamos profundamente preocupados com a agitação no Haiti”
Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca