O governo americano alertou ontem aos cubanos a não tentar chegar aos Estados Unidos por mar, destacando os riscos e advertindo que serão repatriados caso o façam. O alerta foi feito dois dias depois dos maiores protestos contra o governo cubano desde o chamada "maleconazo", em 1994, quando milhares de pessoas tomaram o calçadão à beira-mar de Havana para protestar contra as condições de vida na ilha após a queda da União Soviética. Meses depois, mais de 35 mil cubanos deixaram a ilha para ir para os EUA.
"Nunca é o momento adequado para tentar migrar por mar", disse o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, um cubano-americano. "Não vale a pena correr o risco. Deixem-me ser claro, caso se lancem ao mar não será para ir para os EUA."
Desde que o presidente Joe Biden assumiu o cargo no fim de janeiro, o número de cubanos que chegam à fronteira entre o México e os EUA aumentou drasticamente. De outubro até maio, as autoridades de fronteira encontraram mais de 22 mil cubanos, o nível mais alto em mais de uma década. E, em uma ruptura brusca com as políticas de seu antecessor, Donald Trump, Biden tem permitido a entrada de muitos imigrantes, enquanto aguardam o resultado de seus pedidos de asilo.
Em dezembro de 2020, o último mês completo da presidência de Trump, quase dois terços de todos os cubanos pegos cruzando a fronteira foram expulsos para o México sob uma ordem de saúde relacionada à pandemia conhecida como Título 42. Em maio deste ano, os últimos dados disponíveis, 96% dos cubanos foram autorizados a entrar nos EUA para se reunirem com parentes residentes no país e buscarem status legal no tribunal de imigração.
A Guarda Costeira dos EUA e o grupo de exilados cubanos Movimento pela Democracia também pediram aos cubanos que vivem principalmente na Flórida que não organizem flotilhas para retirar as pessoas de Cuba.
O governo cubano aumentou a presença de segurança nas ruas, principalmente com policiais à paisana, após os protestos se espalharem por várias cidades e Havana. Segundo a Organização Human Rights Watch, pelo menos 150 pessoas foram detidas durante os protestos. O governo confirmou ontem que um homem de 36 anos, identificado como Diubis Laurencio Tejeda, morreu durante os distúrbios na periferia de Havana.
O porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, exortou ontem o governo de Havana a "respeitar a voz do povo cubano", restaurando a internet e outros meios de comunicação na ilha, ao mesmo tempo em que pediu a libertação dos presos.
O governo cubano não admite que houve bloqueio à internet na ilha, mas o presidente Miguel Díaz-Canel acusou os cubanos no exílio de usar as redes sociais para "criar inconformismo, insatisfação e manipular as emoções e os sentimentos" na ilha.
"Não há internet nos celulares. Só conseguimos acessar por meio de um serviço de VPN nas casas ou em alguns parques com Wi-Fi e isso não é em todos os lugares. Meus primos na região oriental (do país) não têm internet de jeito nenhum, disse ao Estadão o cubano Rafael A.B. Moreno que mora em Vedado, região central de Havana.
Ele não era o único a ter dificuldades com a comunicação ontem. Muitos cubanos acreditam que estão vivendo um "apagão" em razão dos protestos do domingo, que se espalharam depois da divulgação nas redes sociais da manifestação em San Antonio de Los Baños.
Segundo Doug Madory, diretor de análise de internet na Kentikinc, que monitora o acesso à rede na web, no domingo à tarde - dia das manifestações que surpreenderam o governo - a conexão de e para Cuba foi interrompida por 30 minutos e, na segunda-feira, ficou instável durante toda a tarde.
Em Havana Velha, bairro histórico da capital, a comunicação estava mais difícil ontem, mas ainda era possível. "Meu pai conseguiu falar comigo de lá, disse que as ruas ali estavam calmas, sem muita presença militar, mas não conseguia saber o que estava ocorrendo em outras partes do país", diz Salomé García Bacallao, cubana que há três anos vive na Espanha.
Energia
Fontes do governo afirmam que a ilha sofre com problemas de corte de energia e não estão sendo realizados bloqueios ao serviço de internet.
"O governo vai tentar controlar redes sociais, pode ser uma tática para conter as manifestações, afinal o provedor é estatal, mas é um tiro pela culatra, pois é possível usar um provedor por satélite ou superpotente dentro de sua casa", explica Moisés Marques, coordenador de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP).
Para Marques, é impossível dizer agora qual será a extensão dos protestos e seu resultado político, mas o acesso às redes sociais é inevitável.
"Existe uma geração jovem com acesso à internet, muitos andam com celular, têm acesso ao conteúdo de blogueiros, não é à toa que a música que faz sucesso hoje é de gente com conexão em Miami. Agora, esses jovens têm acesso a tudo isso, mas não têm como escoar", afirma. (Com agências internacionais)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.