Dois dias depois de a ilha socialista ser palco de protestos sem precedentes contra o regime, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, tratou de minimizar o fenômeno. “Em 11 de julho não houve em Cuba um estalo social, não houve pela vontade de nosso povo e pelo apoio de nosso povo à revolução e ao governo”, afirmou o chanceler, durante entrevista em que culpou os Estados Unidos pelos protestos. Ao mesmo tempo, organizações de defesa dos direitos humanos denunciaram Havana por detenções e por desaparecimentos forçados. O Ministério do Interior cubano reconheceu a morte de um homem de 36 anos durante passeata na periferia de Havana. Segundo a pasta, Diubis Laurencio Tejeda partipava dos “distúrbios”.
Nas últimas horas, intensificou-se a pressão sobre o regime do presidente Miguel Díaz-Canel. Washington instou o governo a pôr fim às restrições à internet e a libertar os manifestantes detidos. A Espanha exortou às autoridades cubanas a “soltura imediata” da jornalista Camila Acosta, colaboradora do jornal ABC (de Madri), detida depois dos atos de domingo. Ontem, cubanos exilados em Miami voltaram a protestar contra o governo da ilha. Foram registrados atos diante da embaixada de Cuba, em Brasília e em outras cidades, como Montevidéu (Uruguai) e San José (Costa Rica).
Em entrevista ao Correio, Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional, milhares de cubanos saíram às ruas para exercer o direito de “protesto pacífico” em 58 cidades do país. “Lamentavelmente, os protestos espontâneos e surpreendentes foram respondidos com os métodos repressores de sempre, detenções arbitrárias, uso excessivo de força e uma narrativa criminalizadora e estigmatizante por parte do governo. O presidente apareceu, em rede nacional de televisão, acusando as pessoas que protestavam de serem ‘mercenárias vendidas ao império’, além de conclamar os simpatizantes ao combate”, afirmou. “Por enquanto, foi possível verificar, junto a defensores dos direitos humanos em Cuba, que ao menos 150 pessoas estão desaparecidas. Presume-se que tenham sido detidas de modo arbitrário. Houve casos de detenção ilegal seletiva, como a da jornalista Camila Acosta.”
Erika frisou que o governo de Díaz-Canel tem a obrigação de escutar a população cubana e atender a suas demandas sociais, assim como proteger e respeitar os direitos de liberdade de expressão e de reunião pacífica. “A robusta presença militar e policial que monitora as ruas de Cuba é uma amostra da intolerância e do medo que o governo tem de que seu povo o fazer prestar contas de uma vezpor todas”, disse a diretora da Anistia Internacional. Segundo ela, milhares de pessoas saíram às ruas, no domingo, exigindo “liberdade” e o fim da repressão. “Elas reclamam espaços de participação cívica na tomada de decisões sobre o presente e o futuro da ilha”, lembrou.
Ontem, o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA, o democrata Bob Menéndez, descartou uma intervenção militar norte-americana em Cuba. “Nenhum governo republicano fez isso, nem mesmo o mais anticomunista”, apontou ele. “Então, vamos deixar isso de lado, porque é isso que os fidelistas querem. Os que mantêm o poder em Cuba querem promover isso.”
Bolsonaro e Lula
O presidente Jair Bolsonaro voltou, ontem, a criticar Cuba. Por meio do Twitter, ele afirmou que “a ditadura comunista cubana ataca duramente o seu povo que pede o fim do regime que o mantém na miséria, no atraso, e, até hoje, sufoca sua liberdade”. Na mesma rede social, o ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva comentou, pela primeira vez, os protestos em Cuba. “O que está acontecendo em Cuba de tão especial para falarem tanto? Houve uma passeata. Inclusive, vi o presidente de Cuba na passeata, conversando com as pessoas. Cuba já sofre 60 anos de bloqueio econômico dos EUA, ainda mais com a pandemia, é desumano”, escreveu Lula, ao assegurar que “os problemas de Cuba serão resolvidos pelos cubanos”.
“Se Cuba não tivesse um bloqueio, poderia ser uma Holanda. Tem um povo intelectualmente preparado, altamente educado. Mas Cuba não conseguiu nem comprar respiradores por causa de um bloqueio desumano dos EUA”, reclamou.
Eu acho...
“O governo de Cuba, em seu papel de vítima perpétua, culpa os complexos problemas sociais e econômicos causados pelo bloqueio econômico. Sem dúvida, ele desempenhou um papel negativo significativo no exercício de direitos econômicos e sociais, o que a Anistia Internacional tem denunciado reiteradamente e chamado ao governo dos EUA para que ponha fim a este embargo econômico e financeiro. Além disso, isso é usado como desculpa para instaurar uma política de repressão violenta contra qualquer forma de crítica e dissidência. O bloqueuo não exime o Estado cubano, de nenhuma maneira, da obrigação do Estado cubano de proteger os direitos humanos.” Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional.