Um aneurisma da aorta abdominal em risco de rompimento é como uma bomba relógio e, quando há indicação cirúrgica, um longo tempo de espera pode levar o paciente à morte. Tradicionalmente, essa é uma operação complexa, com a necessidade de se abrir a cavidade abdominal, o que eleva o índice de letalidade, além de exigir internação em unidades de terapia intensiva (UTIs). Existe uma opção minimamente invasiva que, se por um lado é muito menos agressiva, por outro pode demorar até quatro meses para ser realizada.
Porém, uma adaptação da técnica, desenvolvida por um cirurgião endovascular de Brasília, permite, agora, realizar o procedimento pouco invasivo sem necessidade de espera. Descrito em um artigo publicado na revista médica European Journal of Vascular and Endovascular Surgery, o procedimento reduz custos, internação e, o mais importante para pacientes em risco de rompimento, o tempo entre a identificação e a correção do problema.
O aneurisma da aorta abdominal é uma dilatação da maior artéria do corpo na porção abdominal. Difícil de ser identificada porque, muitas vezes, é assintomática, a condição atinge 5% dos homens e 1% das mulheres acima de 55 anos e tem como principais fatores de risco hipertensão, colesterol alto, tabagismo e diabetes, além de histórico familiar.
Nem todo aneurisma vai romper, essa é uma avaliação que depende do diâmetro e da velocidade de crescimento. “Se ele está com 3,5cm de diâmetro e, em seis meses, aumentar 0,5cm, já ligo o sinal de alerta. Quando atinge de 4,5cm a 5cm, não posso mais esperar e já indico a cirurgia”, explica o cardiologista Lázaro Fernandes Miranda, conselheiro da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O médico explica que, nas emergências, depois de infarto e embolia pulmonar, o rompimento do aneurisma de aorta é a terceira situação chamada de “lesão assassina”, devido à alta letalidade. “Noventa por cento resulta em morte, mesmo nos grandes centros hospitalares.”
No artigo publicado na revista médica europeia, o cirurgião endovascular Gustavo Paludetto, chefe do Setor de Hemodinâmica do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, descreve a nova técnica, que utiliza stents (endopróteses) adaptados ao paciente no momento da cirurgia. “Sem o uso da nova técnica, o tratamento minimamente invasivo só pode ser realizado por meio de dispositivos confeccionados por empresas multinacionais, sob encomenda para o paciente”, explica.
A individualização dos stents é necessária para pessoas que têm limitações, como artérias finas e baixa estatura, que impedem o uso das próteses disponíveis no mercado. “A dificuldade está principalmente na disponibilidade desses materiais. Eles têm alto custo e demoram, em média, de três a quatro meses para serem fabricados e enviados ao Brasil. Em muitos casos, o paciente não consegue esperar esse tempo por causa do risco de morte durante essa espera”, relata.
Alta em 36 horas
Com a nova técnica, o tratamento pode ser realizado de forma imediata, durante a cirurgia minimamente invasiva. Usando informações fornecidas pelos exames de imagem que mostram detalhadamente a aorta do paciente, os cirurgiões adaptam os stents existentes no mercado — e, por isso, de fácil acesso —, realizando o procedimento com um cateter. “O paciente tem alta precoce do hospital, sendo o tempo médio de internação de apenas 36 horas”, conta Paludetto.
O artigo científico descreve dois casos de pacientes submetidos ao procedimento: um homem de 71 anos e uma mulher da mesma idade. Ambos foram acompanhados por dois anos, antes da publicação do artigo. Até agora, foram realizados mais de 10 procedimentos do tipo, segundo Paludetto. O médico explica que, para assegurar a eficácia do tratamento em longo prazo, mais pacientes estão sendo acompanhados em um novo estudo. Porém, a cirurgia não é considerada experimental. “A técnica publicada e reconhecida pelo jornal europeu permite que ela possa ser replicada em qualquer país do mundo.”
Para o cardiologista clínico Lázaro Fernandes Miranda, o novo procedimento é uma importante inovação que ajuda a evitar a “lesão assassina”. Ele insiste, porém, que a principal maneira de combater o aneurisma da aorta abdominal é a prevenção. Além de evitar os fatores de risco, pessoas com histórico familiar devem, mesmo sem sintomas, fazer exames periódicos que permitam visualizar essa parte do corpo. “No caso de quem fez a cirurgia, é preciso continuar a prevenção. A cirurgia cura aquele aneurisma, mas outros podem surgir”, ressalta.
“A técnica publicada e reconhecida pelo jornal europeu permite que ela possa ser replicada em qualquer país do mundo”
Gustavo Paludetto, criador da técnica e chefe do Setor de Hemodinâmica do Hospital Santa Lúcia, em Brasília
90%
Estimativa dos casos de aneurisma da aorta abdominal que terminam com a morte do paciente