Diplomacia

Avanços pragmáticos

Frente a frente pela primeira vez, num momento de alta tensão entre Rússia e Estados Unidos, Putin e Biden acertam o retorno dos embaixadores aos dois países e se comprometem com a segurança dos arsenais nucleares, mas deixam divergências às claras


No aguardado primeiro encontro, em um momento de forte abalo das relações entre os dois países, os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da Rússia, Vladimir Putin, fizeram gestos de apaziguamento, mas não esconderam as desconfianças mútuas. Apesar das tensões, a cúpula realizada na elegante Villa La Grange, na cidade suíça de Genebra, começou com um aperto de mão entre os dois líderes. Na saída da luxuosa vila do século XVIII, ambos afirmaram que o tom da reunião foi positivo, mas ficou a sensação de uma audiência de trabalho pouco amigável.
“As conversas foram absolutamente construtivas”, afirmou Putin durante uma coletiva de imprensa sobre a reunião de três horas e meia com Biden. Por sua vez, o chefe da Casa Branca, em entrevista separada, classificou o tom da cúpula como bom. “Nos conhecemos, mas não somos velhos amigos. Isso é apenas trabalho”, declarou o americano.
Os dois líderes concordaram com o retorno de seus respectivos embaixadores, um gesto de retomada nas relações entre os dois países, que se agravaram desde que Biden assumiu o poder. “Os embaixadores voltarão aos seus locais de trabalho. Quando, exatamente, é uma questão puramente técnica”, disse Putin, que também apresentou possíveis “compromissos” para uma troca de prisioneiros. Segundo o vice-chanceler, Sergei Ryabkov, pode ocorrer ainda este mês.
Depois que Biden comparou Putin a um “assassino”, em entrevista concedida à rede de televisão ABC News, em meados de março, o Kremlin convocou o embaixador para os EUA, Anatoli Antonov, para uma conversa. O homólogo americano em Moscou, John Sullivan, retornou em abril a Washington. Ontem, o russo se disse satisfeito com as explicações do americano, que não tornou público o que disse a Putin.
Os dois presidentes também se comprometeram com a segurança dos arsenais nucleares, sem surpresas, visto ser esse, talvez, o único ponto de convergência entre Washington e Moscou. Em fevereiro, eles acertaram a extensão por cinco anos do Novo Start, único acordo de controle desse tipo de armamento ainda em vigor no mundo.

Diferenças

Como havia antecipado, Biden traçou as chamadas “linhas vermelhas”, que não devem ser ultrapassadas. Em uma clara ruptura com a ambiguidade de seu antecessor, o republicano Donald Trump, o democrata assegurou que advertiu seu colega russo contra ataques cibernéticos e interferência russa. “Disse-lhe claramente que não toleraríamos tentativas (...) de desestabilizar nossas eleições democráticas e que responderíamos”, disse, referindo-se à eleição presidencial de 2016. Ambos concordaram em iniciar um diálogo sobre segurança cibernética.
O líder norte-americano deu-lhe também uma lista de 16 “infraestruturas críticas” (energia, distribuição de água, etc) que, na sua opinião, são “intocáveis”. Perguntado, no fim da coletiva de imprensa, por que achava que Putin mudaria seu comportamento, mostrou-se irritado e disse que nunca havia sugerido tal coisa.
Direitos humanos e Ucrânia foram temas, especialmente, sensíveis. O russo fez uma longa crítica aos Estados Unidos perante os jornalistas, evocando desde o ataque ao Congresso, em 6 de janeiro, ao bombardeio de civis no Afeganistão, à violência policial contra a minoria afro-americana.
“São comparações ridículas. Uma coisa são criminosos rompendo o cordão policial (...) outra é o povo desfilar no Capitólio e denunciar que não tem permissão para falar livremente”, respondeu Biden.
O americano, que antes de viajar a Genebra se reuniu com seus aliados do G7, a Otan e a União Europeia (UE), havia alertado que a morte do oponente russo Alexei Navalny deterioraria as relações. Sobre o destino do oponente preso depois de estar prestes a morrer por um envenenamento que atribui ao Kremlin, Putin se limitou a dizer que “esse homem sabia que estava infringindo a lei na Rússia”.

Potências

Biden havia proposto no início das discussões ao seu homólogo russo uma relação mais previsível, estimando que “duas grandes potências” deveriam administrar suas divergências de uma forma “racional”. Nos últimos dias, os observadores relembraram a famosa cúpula, também em Genebra, entre os presidentes Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov, em 1985, que marcou o início do degelo da Guerra Fria.
O presidente russo tem uma longa experiência com encontros de cúpula. Desde que assumiu o poder, no fim de 1999, ele conheceu quatro presidentes americanos — Biden é o quinto. Muitos especialistas concordam que Putin já conseguiu o que mais desejava: realizar a cúpula como um sinal da importância da Rússia no cenário mundial.
Biden e Putin foram recebidos pelo presidente suíço, Guy Parmelin, que desejou-lhes um “diálogo frutífero”, antes de se retirar, deixando os dois líderes na porta da secular Villa La Grange. Após o aperto de mão, os dois líderes trocaram algumas breves palavras e sorriram antes de entrar. Biden presenteou Putin com um par de seus óculos de sol favoritos — estilo Aviator personalizados feito pela Randolph USA — e uma escultura de vidro de um bisão.
Ao deixar o local, Putin disse: “Você precisa olhar ao seu redor e dizer a si mesmo que este é um mundo maravilhoso”. Mais abruptamente, Biden despediu-se dizendo: “Fiz o que vim fazer.”


“É preciso olhar em volta e pensar consigo mesmo: é um mundo maravilhoso”
Vladimir Putin, presidente da Rússia

“Nos conhecemos, mas não somos velhos amigos. Isso é apenas trabalho”
Joe Biden, presidente dos EUA