Durante uma cúpula presencial, que marcou a reaproximação com os Estados Unidos, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fez um alerta, ontem, sobre os “desafios sistêmicos” apresentados pela China. Ao fim do encontro, numa extensa declaração, a aliança militar pediu também à Rússia que respeite as normas internacionais. Foi a estreia do presidente americano, Joe Biden, no encontro, após anos de tensão entre seu antecessor, Donald Trump, e a organização.
No documento, os líderes reafirmaram sua “unidade, solidariedade e coesão” para abrir “um novo capítulo nas relações transatlânticas”, enquanto definiram a Otan como a base da defesa coletiva. “Pedimos à China que respeite seus compromissos internacionais e que atue com responsabilidade no sistema internacional, incluindo os domínios espacial, cibernético e marítimo”, expressaram.
Embora fontes diplomáticas tenham afirmado que a declaração se referiria a Pequim sem uma linguagem “incendiária”, o manifesto apontou categoricamente que “as ambições da China” e seu comportamento representam “desafios sistêmicos para a ordem internacional baseada em regras”.
“(A) crescente influência da China (...) pode representar desafios que precisamos enfrentar juntos, como uma aliança. Nós enfrentamos cada vez mais ameaças cibernéticas, híbridas e assimétricas”, assinalaram os líderes.
Ao chegar à sede da Aliança Atlântica para a cúpula, o secretário-geral Jens Stoltenberg disse que “não haverá uma nova guerra fria”, mas que devem “enfrentar os desafios impostos pela China à segurança”.
Provocações
Quanto à Rússia, os aliados expressaram que o reforço de sua capacidade militar e de atividades provocadoras nas fronteiras da aliança militar “ameaçam cada vez mais a segurança da área euro-atlântica”. “Até que a Rússia demonstre respeito pela lei internacional e suas obrigações e compromissos internacionais, não poderá haver um retorno à normalidade”, ressaltaram.
Em suas declarações, Joe Biden condenou as “ações agressivas” da Rússia, que anexou a península da Crimeia ao seu território em 2014 (ler matéria ao lado). “Não busco conflito com a Rússia, mas responderemos se continuar com suas atividades nocivas”, observou o americano.
Os aliados também abordaram a retirada de suas tropas do Afeganistão, depois de duas décadas, assinalando que isso “não significa o fim” das relações com esse país da Ásia Central. A saída integral das forças está prevista para este ano, porém a intenção é a de manter um escritório de Representação Civil em Cabul. Os líderes também apontaram que fornecerão “fundos de transição para garantir o funcionamento do aeroporto internacional Hamid Karzai”, na capital afegã.
Contraste
Para marcar um novo momento das relações, Joe Biden buscou destacar o apoio de Washington à aliança militar várias vezes, depois das tensões durante a gestão de Trump. “Quero ser muito claro: a Otan é de suma importância para os nossos interesses e em si mesma”, expressou o democrata, voltando a se referir a uma “obrigação sagrada” de seu país com a organização.
Stoltenberg destacou que nas reuniões a portas fechadas, o chefe da Casa Branca garantiu aos demais líderes o compromisso de seu governo com a aliança militar, em um contraste notório com a difícil relação que o bloco teve com Donald Trump.
No segmento das relações da Otan com atores fora do bloco, o documento enfatizou que a aliança “intensifica a interação com a Colômbia, um aliado na América Latina, em questões de governança, treinamento militar, desminagem e segurança marítima”.
Outro tema de grande tensão é o papel da Turquia, um aliado difícil que, no entanto, poderia desempenhar um papel central no futuro imediato do Afeganistão depois da retirada das tropas.
À margem da cúpula da Otan, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, teve uma reunião bilateral, classificada por ele como “produtiva e sincera”, com Joe Biden. “Acredito que não haja problema que não possa ser resolvido nas relações entre a Turquia e os Estados Unidos”, disse, após o primeiro encontro com o presidente americano.
A relação entre a Turquia e os Estados Unidos sofreu um forte golpe após a decisão do governo turco de adquirir o sistema de mísseis russo S-400. Além disso, o governo de Erdogan possui diferenças nítidas em relação ao resto da Otan ante a Síria e a Líbia, assim como no conflito em Nagorno Karabakh. No entanto, além da questão afegã, Ancara desempenha um papel crucial na política de migração europeia.
Erdogan também teve um encontro com o presidente da França, Emmanuel Macron, um dos que defendem uma posição mais rígida da aliança militar em relação à Turquia. Sobre esse encontro, o líder turco disse apenas que eles concordaram em “continuar as negociações” e que encontraram “pontos de convergência” no que diz respeito à necessidade de preservar o cessar-fogo na Líbia.
» Pontos centrais
Os cinco destaques da declaração divulgada no encerramento da cúpula
Reforço militar da Rússia
“O crescente reforço militar da Rússia, sua postura mais firme, as novas capacidades militares e as atividades provocativas, inclusive perto das fronteiras da Otan (...), ameaçam cada vez
mais a segurança da região euroatlântica e contribuem para a instabilidade ao longo das fronteiras da Otan e além”, assinalaram os líderes.
Ambições chinesas
Os países da Otan registraram preocupação com as “ambições declaradas e o comportamento assertivo da China”, uma vez que causam “desafios sistêmicos à ordem internacional com base em regras e nas áreas de segurança” da aliança. “A China expande rapidamente seu arsenal nuclear, com mais bombas e vetores mais sofisticados”, destacou o documento.
Novas ameaças
“O terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, continua sendo uma ameaça persistente para todos nós”, apontou a declaração, que incluiu questão climática como desafio de segurança global. “Enfrentamos cada vez mais ameaças cibernéticas, híbridas e assimétricas de outro tipo, incluindo campanhas de desinformação e o uso malicioso de tecnologias emergentes e disruptivas sofisticadas.”
Defesa europeia
“O desenvolvimento de capacidades de defesa coerentes, complementares e interoperáveis, evitando duplicações desnecessárias, é fundamental para os nossos esforços conjuntos para tornar a zona euroatlântica mais segura”, afirmaram os líderes.
Papel no Afeganistão
“A retirada das tropas da Otan não significa o fim das nossas relações com o Afeganistão”, ressaltou a declaração. Os líderes da aliança afirmaram que a aliança continuará fornecendo “capacitação e apoio financeiro às forças de segurança e defesa nacional afegãs” e que manterão um escritório de representação em Cabul para continuar o compromisso diplomático e “fortalecer nossa associação.