Mario Sepúlveda, 51 anos, é um sobrevivente pela segunda vez. Em 2010, ele resistiu a 69 dias soterrado a 688 metros de profundidade após um acidente na mina San José, em Copiapó, no Deserto do Atacama (norte do Chile). Líder dos 33 mineradores, ele foi fundamental para que os colegas resistissem ao pesadelo. Recentemente, enfrentou a covid-19. "Fiquei muito mal, durante um mês, mas não quis ser hospitalizado, com medo de não voltar. Eu fui uma das pessoas que não levava a covid-19 a sério. É uma doença muito grave, muito delicada. É preciso ter muito cuidado e paciência", aconselhou o homem que foi interpretado pelo ator Antonio Banderas no filme Os 33, lançado em 2015.
Em entrevista exclusiva ao Correio, Sepúlveda falou sobre a indenização de US$ 55 mil (cerca de R$ 281 mil) a cada um de 31 mineradores e não poupou críticas ao Estado chileno. "Nada paga o dano que provocaram em cada um de nós", afirmou, por telefone. "Nem com todo o dinheiro que me dessem reparariam o dano que me causaram", acrescentou. Dois mineradores — Luis Bustos e Juan Illanes — decidiram não ingressar no processo, sob a alegação de motivos pessoais. A decisão judicial, que reduziu à metade o montante aprovado em primeira instância, foi adotada pelo Tribunal de Justiça de Santiago, que comprovou “a negligência dos órgãos do Estado e a existência do dano causado e da relação causal entre eles” no acidente ocorrido em 5 de agosto de 2010.
Na condição de líder dos 33 mineradores, como o senhor recebe a indenização de US$ 55 mil?
Estou contente porque, em primeira instância, houve o reconhecimento de que uma entidade do Estado cometeu um erro, e, agora, ela nos indenizará. Depois que eles nos resgataram, nunca mais se preocuparam conosco. Acho que esta é uma forma de reparar o dano.
Quais seus planos agora, que receberá esta reparação, depois de 11 anos? Pretende esquecer o pesadelo que enfrentou?
Nada paga o dano que provocaram em cada um de nós. Danos causados não somente a nós, mas a todas as nossas famílias. Na verdade, amigo, muitas coisas passam por minha cabeça. Nem com todo o dinheiro que me dessem reparariam o dano que me causaram. Há pouco tempo tive covid-19, e a doença engatilhou o estresse pós-traumático. E aqui estou. Sigo dando a cara à vida e não vou fugir.
O senhor se sente abandonado pelo Estado chileno?
Não estou abandonado pelo Estado, mas sei que eles faltaram muito o respeito por nós. Hoje em dia, em tempos de pandemia, ele poderia fazer muitas coisas pelo povo chileno, pela cidadania. E não se deram conta disso. Isso dói, amigo. Isso dói! Tenho algum sentimento em relação a isso... O que importa é que sou um homem trabalhador e sempre dou a cara à vida.
Então, qual é o simbolismo desta indenização que vocês receberão?
Nós temos que esperar, pois a defesa do Estado avisou que apelará. Por isso, ainda não sabemos o que vai acontecer.
Quem é Mario Sepúlveda hoje, em comparação com o homem de 11 anos atrás?
Sou um homem mais justo, mais bondoso, aprecio os trabalhos sociais. Não sou o mesmo de antes. Aprendi a ser um pouco mais cuidadoso. Não cometo mais barbaridades como antes. Você vai encontrar um homem muito bondoso com os outros, que quer o bem comum e respeito mais o próximo. Mas também um homem que, quando lhe faltam o respeito, se exalta. Amo meus cinco filhos e as pessoas que me amam. Tenho uma filha autista, que amo com todo o meu coração. Este é o Mario Sepúlveda de hoje.
Em relação à covid-19, o que o senhor poderia dizer a quem insiste em não usar máscara?
Quero dizer às pessoas que se cuidem, que sejam responsáveis. Na realidade, é uma doença que atinge a cada um de forma diferente. Trata-se de uma enfermidade repleta de solidão, cheia de incompreensão. As pessoas quem mais amam você acabam por rejeitá-lo. É preciso ter muito cuidado, disciplina e respeito. E jamais se render quando contrair a covid-19. Também não ter vergonha em ser ajudado. Cuidem-se muito!