Ao fim de 12 horas de votação, Keiko Fujimori e Pedro Castilho, postulantes à Presidência do Peru, apareceram tecnicamente empatados em pesquisa de boca de urna. Só que, ao contrário das sondagens feitas na reta final da campanha no segundo turno, com ligeira vantagem para a candidata da direita, que tenta pela terceira vez se tornar a primeira mulher a governar o país.
Pela consulta do Instituto Ipsos, a herdeira da dinastia Fujimori tem 50,3% dos votos contra 49,7% conferidos ao rival da esquerda — uma diferença de 0,6%. A margem de erro do levantamento é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Ao longo do dia, observadores dos partidos Perú Libre, de Castillo, e Fuerza Popular, de Keiko, denunciaram a ocorrência de irregularidades em seções eleitorais. No Peru, a votação é feita por cédulas em papel. A movimentação nos locais de votação evidenciava significativa abstenção.
Com mensagens de unidade, Keiko e Castillo, que liderou o primeiro turno, prometeram respeitar qualquer que seja o resultado da votação. Com projetos antagônicos, o professor rural e a filha do ex-presidente preso Alberto Fujimori obtiveram, juntos, 32% dos votos dados no primeiro turno, em 11 de abril, num reflexo do momento de descrédito político que o país atravessa.
Recentemente alçado à liderança no ranking mundial de letalidade pela covid-19, o Peru viu quatro presidentes assumirem o poder desde 2018, três em apenas cinco dias em novembro de 2020. Escândalos de corrupção atingiram seis dos governantes do país nas últimas três décadas.
Quem sair vitorioso das urnas, com a maioria dos votos dos mais de 25 milhões de eleitores, enfrentará grandes desafios a partir de 28 de julho, quando tomar posse. Terá que tomar medidas urgentes para superar a pandemia, a recessão econômica e a instabilidade política, lidar com um Congresso fragmentado, corrupção e má gestão pública.
Temores
A reta final da campanha eleitoral foi marcada por grande polarização, incerteza e pela exacerbação de temores, que refletiu na economia do país: na sexta-feira, a cotação do dólar chegou a um recorde de 3,9 soles. Castillo concentra o apoio nas áreas rurais do Peru profundo, mas houve peruanos temerosos de que o país se transforme em uma nova Venezuela que decidiram votar em Fujimori por enxergá-la como “o mal menor”.
Houve também quem optasse pelo voto nulo/branco. “Não quero nem votar, para mim os dois não merecem o voto, mas estou em pânico com Castillo, então voto em Keiko”, disse Johnny Samaniego, 51 anos, morador da capital, Lima. Pesava contra Castillo as acusações de flerte com o comunismo, enquanto Keiko, além da questão paterna, está marcada por acusações de corrupção e chegou a ficar em prisão preventiva por 16 meses.
Antes de votar, os dois presidenciáveis escolheram ficar com as respectivas famílias: Castillo na região de Cajamarca e Keiko, na capital. Como é tradição, o candidato da esquerda participou de um café da manhã no pátio coberto de sua casa no vilarejo de Chugur e foi votar ao meio-dia na cidade vizinha de Tacabamba, seguido pelas ruas por centenas de apoiadores.
“Tomei uma decisão, não estarei em Lima pela saúde de meus pais”, anunciou Castillo após votar na escola Simón Herrera, cancelando seu plano de viajar à capital para aguardar os resultados. “Vamos ser respeitosos assim que houver um resultado oficial (dos votos)”, acrescentou o professor, 51 anos, vestido com paletó marrom e chapéu branco, típico dos camponeses de Cajamarca.
Keiko Fujimori também não fugiu à praxe e participou de um café da manhã em família na encosta de uma colina no bairro de San Juan de Lurigancho, em Lima. Como o rival, ela afirmou que reconhecerá o resultado da apuração, algo que não fez em 2016, quando perdeu para o banqueiro Pedro Pablo Kuczynski.
“A partir de agora posso dizer que seja qual for o resultado, respeitarei a vontade popular, como deve ser”, prometeu a candidata de 46 anos, que tenta se tornar a primeira presidente mulher do Peru. Keiko Fujimori votou à tarde no distrito de Surco, na capital. Para evitar aglomerações, os mais de 11 mil centros de votação ficaram abertos até as 19h locais (21h de Brasília).
Para a cientista política Jessica Smith, se Keiko Fujimori se eleger terá que vencer no governo a desconfiança que seu nome e o da sua família geram em vários setores. “Ela terá que acalmar rapidamente os mercados e gerar medidas que permitam sua reativação”, avaliou. Se Castillo sair vitorioso, deverá “mostrar liderança independente” de seus líderes partidários. “E consolidar uma maioria parlamentar que lhe permitirá levar a cabo seu ambicioso programa”, assinalou Jessica Smith.
Só uma coisa é certa. Vença quem vencer, o Peru continuará mantendo um perfil conservador com a rejeição de ambos os candidatos ao aborto, ao casamento homossexual e à identidade de gênero.