Faltavam apenas 25 minutos para o fim do prazo dado à oposição para estabelecer um novo gabinete. “Tenho a honra de informar ao senhor presidente que consegui formar um governo, o qual será rotativo. (…) Vou liderá-lo com o parlamentar Naftali Bennett, que será o primeiro a servir como premiê. Eu prometo ao senhor, presidente, que este governo trabalhará para servir a todos os cidadãos de Israel, incluindo aqueles que não são membros dele; respeitarei os que se opõem a ele; e farei de tudo ao meu alcance para unir todas as partes da sociedade”, disse o centrista Yair Lapid, ao telefonar para o presidente israelense, Reuven Rivlin, às 23h35 de ontem (17h35 em Brasília).
Lapid assegurou que obteve o apoio de 61 dos 120 deputados para o governo de coalizão heterogêneo, o qual deverá colocar fim a 12 anos de governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Mais cedo, o trabalhista Isaac Herzog, 60 anos, foi escolhido pelo Knesset (parlamento) para suceder Rivlin.
A histórica imagem da assinatura do acordo, envolvendo Lapid, líder da oposição; o ultranacionalista Naftali Bennett; e Mansour Abbas, chefe do partido conservador árabe-israelense islâmico Ra’am, foi divulgada no início da noite. O pacto de coalizão contempla lideranças de oito partidos de Israel — dois de esquerda, dois de centro, três de direita e um árabe. Uma aliança de forças improvável e sem precedentes no país. O único objetivo que uniu atores tão antagônicos foi o desejo de afastar Netanyahu do poder. O premiê governou entre 1996 e 1999 e retornou ao comando do país em 2009. Além de lançado à condição de opositor, Netanyahu precisará enfrentar um julgamento por corrupção (fraude, suborno de quebra de confiança).
Provável próximo primeiro-ministro, Bennet, 49 anos, era aliado e ministro da Defesa de Netanyahu.
Logo depois da confirmação do novo governo, Lapid telefonou para Yariv Lenin, presidente do Knesset, e pediu-lhe que reunisse os legislaores e os informasse da formação do novo gabinete, uma exigência protocolar antes do juramento. A coalizão opositora tem um prazo de sete dias para compor os ministérios e obter o apoio do Knesset, que votará se aceitará ou não o novo governo dentro de uma semana a 12 dias.
“Até o juramento do novo premiê, Netanyahu e o seu partido Likud aplicarão uma tremenda pressão sobre os membros do Knesset que pertencem ao próprio partido de Bennett para se oporem ao novo gabinete. Se forem bem sucedidos, o governo de unidade não será estabelecido”, afirmou ao Correio Eytan Gilboa, professor de comunicação política da Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan, Tel Aviv).
Segundo Gilboa, pelo acordo assinado, Bennett ocuparia o posto de primeiro-ministro por dois anos, e Lapid o substituiria na função por outro biênio. “Não creio que um governo Bennett seria mais conservador do que o de Netantyahu. A nova gestão seria baseada na unidade nacional, e todas as decisões teriam que ser feitas por consenso. Vejo um governo mais liberal do que o atual. ”O especialista acredita que, caso Netanyahu seja forçado à transição de governo, deixará um legado misto. “Ele é muito popular por aqui, a economia tem sido forte. Além disso, Netanyahu recebeu o crédito por vacinar uma parcela suficiente da população para suspender todas as restrições sobre a covid-19 e o país retornar à vida normal”, observou Gilboa. “Netanyahu também foi elogiado por abordar a crise iraniana com êxito e por firmar acordos de paz com várias nações muçulmanas, incluindo Emirados Árabes Islâmicos, Bahrein, Bahrein, Marrocos e Sudão. Seu julgamento e as estratégias de polarização, no entanto, são graves máculas sobre o seu legado.” Em relação ao conflito com palestinos, Gilboa aposta que a política de segurança do novo governo dependerá muito menos de Israel. “Os palestinos estão divididos entre o Fatah e o Hamas; este último se fortaleceu e têm se colocado em oposição a qualquer negociação de paz.”
Consenso
Efraim Inbar — presidente do Instituto para Estratégia e Segurança de Jerusalém — concorda com Gilboa. “O fato de a composição do governo incluir esquerda, centro e direita indica que apenas políticas de consenso serão adotadas”, disse ao Correio. O estudioso não se surpreendeu com o fracasso político de Netanyahu. “Ele falhou em criar um governo ao longo das quatro últimas eleições. No entanto, Netanyahu deixa Israel como uma nação próspera e forte”, acrescentou.
Por sua vez, Ashok Swain, chefe do Departamento de Pesquisa sobre Paz e Conflito da Universidade Uppsala (Suécia), prevê maior moderação na política de Israel em relação aos palestinos. “A comunidade internacional terá mais a dizer. O presidente americano, Joe Biden, gozará de maior influência sobre o novo governo de unidade, em comparação à gestão de Netanyahu. Este novo governo será mais propenso a aceitar a retomada do acordo nuclear entre EUA e Irã.”
Isaac Herzog, o próximo presidente
Ex-líder do Partido Trabalhista, casado e pai de três filhos, Isaac Herzog, 60 anos, é herdeiro de uma das famílias mais famosas de Israel, muitas vezes comparada com a dinastia Kennedy. Com a escolha do Knesset (parlamento), ele segue os passos do pai, Chaim Herzog, que chefiou o Estado de Israel entre 1983 e 1993. “Serei o presidente de todos, construirei pontes entre os diferentes componentes de nossa sociedade”, afirmou o líder de 60 anos. Herzog, que terá mandato de sete anos como presidente — cargo sobretudo simbólico —, aspirou, em 2015, ao posto de primeiro-ministro, que tem muito mais poder.
Advogado de formação, modesto e diplomático, Herzog sucede a Reuven Rivlin e se perfila como a antítese de Benjamin Netanyahu. Foi eleito pela primeira vez para o Knesset em 2003. Passou a década seguinte em ministérios, e, em novembro de 2013, assumiu a liderança de um Partido Trabalhista em crise. Issac Herzog trabalhou no serviço de inteligência militar, concluiu direito pela Universidade de Tel Aviv e foi secretério do governo trabalhista do ex-premiê Ehud Barak.
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“Netanyahu afirmou que será o líder da oposição. Ele acredita que o novo governo não sobreviverá por mais do que poucos meses ou ano, o que lhe permitirá retornar ao poder por meio da construção de uma coalizão alternativa ou das eleições. Provavelmente, Netanyahu convocará as primárias em seu partido Likud para evitar qualquer ameaça interna à sua liderança. Sua partida não deverá afetar seu julgamento.”
Eytan Gilboa, professor de comunicação política da Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan, Tel Aviv)
“A partida de Netanyahu representaria uma surpresa, particularmente depois da recente escalada de tensão na Faixa de Gaza. No entanto, há sempre um limite para as habilidades de manipulação dos políticos populistas. Netanyahu tem sido premiê por mais de 15 anos, em duas etapas — a última delas por mais de 12 anos. É chegada a hora de Israel obter uma nova liderança.”
Ashok Swain, chefe do Departamento de Pesquisa sobre Paz e Conflito da Universidade Uppsala (Suécia)
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Ceticismo entre palestinos
O embaixador palestino em Brasília, Ibrahim Alzeben (foto), disse ao Correio que a posição de seu povo sobre o governo israelense em vias de formação e com diferentes mosaicos vai administrar a ocupação. “Espero estar errado”, afirmou. “Será preciso um esforço intenso para uma mobilização internacional, dos Estados Unidos e do Quarteto (ONU, União Europeia, EUA e Rússia) a fim de pressionar este novo governo. Sem dúvida, a saída de Netanyahu abre um espaço, mas não vamos exagerar as esperanças. Veremos até que ponto a comunidade internacional consegue trabalhar com este novo mosaico político em Israel. Nossa luta seguirá em todas as instâncias internacionais. Felizmente, contamos com o apoio sem precedentes do mundo inteiro. Seguiremos reivindicado nossos direitos e batendo em todas as portas do direito internacional.”
Futebol e política
Em uma das noites mais importantes para a política israelense contemporânea e horas depois de o Knesset (parlamento) apontar o sucessor na chefia de Estado, o presidente israelense, Reuven Rivlin, recebeu o telefonema (foto) do centrista Yair Lapid dentro do Estádio Bloomfield, na cidade de Tel Aviv. Rivlin havia acabado de entregar a taça de campeão da Copa do Estado de Israel ao time do Maccabi Tel Aviv. Em sinal de aproximação com as nações árabes, Rivlin assistiu à partida ao lado de Mohamed Al Khaja, embaixador dos Emirados Árabes Unidos em Israel.
Apoio simbólico
A menos de duas horas do prazo para a oposição formar a aliança e apresentar o novo governo, a frente contrária a Benjamin Netanyahu recebeu um novo e simbólico integrante, o partido conservador árabe-israelense Ra’am Islâmico (Lista Árabe Unida). Mansour Abbas (foto), líder da facção, assinou a adesão à coalizão depois de manter conversas com Netanyahu. “Nós concordamos em formar um governo depois de chegarmos a acordos essenciais sobre várias questões que atendem aos interesses da sociedade árabe”, anunciou Mansour. Entre as demandas apresentadas por Mansour para assinar o acordo, estavam o fim da derrubada de casas de árabes do Negev e o congelamento, até 2024, de uma lei que intensifica a fiscalização de construções não autorizadas.