A Lei de Segurança Nacional que a China impôs a Hong Kong há um ano tem prejudicado seriamente seu sistema judicial, de acordo com advogados, que temem pelos direitos dos acusados e o futuro do Estado de Direito na cidade.
O sistema judicial independente de Hong Kong desempenhou um papel fundamental na transformação deste território semi-autônomo em um importante centro financeiro, em contraste com o sistema chinês, onde os tribunais são controlados pelo Partido Comunista.
A Lei de Segurança Nacional, que entrou em vigor em 30 de junho de 2020, foi imposta por Pequim ignorando o Parlamento local. O objetivo era recuperar o controle do território após as manifestações pró-democracia de 2019.
Desde a promulgação do texto há um ano, o sistema judicial de Hong Kong passou por muitas mudanças. A presença de um júri não é mais obrigatória e a fiança não é mais concedida sistematicamente aos acusados de violar esta lei.
"É como se uma espécie alienígena invadisse nosso território, uma tempestade de areia que não pode ser contida e que vem do norte", disse um advogado à AFP.
Este advogado é um dos quatro que defendem os acusados de violar a lei e que concordou em falar com a AFP sob condição de anonimato.
"É o fim do Estado de Direito"
Segundo os advogados, quando a Lei de Segurança Nacional entra em conflito com as proteções legais até agora garantidas em Hong Kong, os tribunais do território respeitam apenas os direitos "formalmente".
De acordo com as autoridades de Hong Kong, 114 pessoas foram presas por violá-la e 64 foram processadas. O primeiro julgamento de um acusado por infringir a lei começou na semana passada. O processo acontece sem júri e na presença de três juízes especialmente selecionados.
Por 176 anos, os julgamentos criminais em Hong Kong sempre foram conduzidos com júri.
Especialistas em direito constitucional alertam para o risco de os tribunais tentarem evitar a ira das autoridades chinesas, que têm a palavra final nos casos de segurança nacional.
"Quando [um tribunal] abandona um direito fundamental sem uma revisão rigorosa, proporciona uma justificativa intelectual para um regime draconiano", escreveu numa coluna Johannes Chan, professor de direito público da Universidade de Hong Kong.
"Se o judiciário não monitora a proteção dos direitos humanos básicos, é o fim do Estado de Direito", alertou.
O judiciário da cidade se recusou a "comentar sobre questões jurídicas ou outras questões substantivas em casos individuais", citando o princípio da independência judicial.
"Missão impossível"
Embora as autoridades de Pequim e Hong Kong afirmem que a lei restaurou a estabilidade, seus críticos acreditam que marca o fim da salvaguarda legal que existia até agora entre a China e o território.
A China agora tem jurisdição sobre certos assuntos e a lei permite que seus agentes operem abertamente em Hong Kong pela primeira vez.
É o fim das garantias dadas por Pequim quando o território foi devolvido pelo Reino Unido em 1997, ao abrigo de um acordo que supostamente garantia o funcionamento democrático de Hong Kong até 2047.
Agora, defender os acusados "é uma missão impossível", disse um advogado à AFP. "É uma presunção de culpa", assegurou.
Em março, 47 ativistas pró-democracia processados em nome da segurança nacional passaram por uma maratona de audiências de quatro dias. Um deles desmaiou de exaustão e vários tiveram que ser levados para o hospital.
"Nossa independência judicial e o Estado de Direito foram quebrados. Isso vai continuar e, eventualmente, se romperá", alertou um advogado de defesa.
As mudanças também devem afetar a nomeação de juízes.
O jornal britânico Financial Times noticiou na semana passada que parlamentares pró-Pequim de Hong Kong atuaram para impedir a nomeação de um juiz.
A lei de segurança também dá às autoridades a opção de extraditar os réus para o opaco sistema judicial da China continental, onde os julgamentos são realizados a portas fechadas. Até agora, as autoridades não usaram esta opção.
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