Oriente Médio

Coalizão paramilitar pró-Irã vira ator indiscutível no Iraque

A vitória do ultraconservador Ebrahim Raisi nas eleições presidenciais no Irã, potência xiita na região

Agência France-Presse
postado em 22/06/2021 12:44 / atualizado em 22/06/2021 12:45
 (crédito: ATTA KENARE)
(crédito: ATTA KENARE)

As Unidades de Mobilização Popular, uma coalizão paramilitar pró-Irã que lidera a segunda maior formação no Parlamento iraquiano, administra bilhões de dólares e possui o comando do Iraque, dizem muitos especialistas.

Além disso, a vitória do ultraconservador Ebrahim Raisi nas eleições presidenciais no Irã, potência xiita na região, deu um novo impulso à Hashd al-Shaabi, nome árabe da coalizão.

Esta vitória da linha-dura no Irã é, acima de tudo, um triunfo do "campo da resistência", como se autodenominam os aliados armados do Irã no Oriente Médio, aponta Abu Ala al-Walai, um dos comandantes das Forças de Mobilização Popular (FMP), que lidera o movimento anti-Estados Unidos no Iraque.

As FMP elogiam com frequência os lançamentos de foguetes e bombas contra instalações americana no Iraque, embora nunca tenham reivindicado qualquer autoria.

A coalizão, criada em junho de 2014 e integrada ao Exército iraquiano em novembro de 2016, "não é uma anomalia, mas um exemplo de como o poder funciona no Iraque", explica Renad Mansour, pesquisador da Chatham House.

"Ela persegue os mesmos objetivos de todos os partidos políticos no Iraque: tornar-se a primeira força política em um sistema que, sem um verdadeiro Estado de Direito, permite chegar ao poder sem prestar contas ao povo ou ao sistema", aponta.

A prova? Infelizmente para o governo - que queria conquistar a simpatia dos ativistas pró-democracia - as FMP conseguiram recentemente libertar um de seus comandantes, suspeito de estar ligado ao assassinato de um militante. O tribunal argumentou que não havia provas suficientes contra ele.

"Mais conexões que o primeiro-ministro"


Isso "mostra até que ponto a Hashd tem conexões e ainda mais do que o primeiro-ministro", acrescenta o analista Mustafa al Kazimi.

Seus membros estão presentes em todos os setores das forças de segurança, que, "na verdade, não são mais uma ameaça", assegura uma oficial.

Os políticos oficiais também nadam neste pântano, mas nos bastidores. Todos deixam margem de manobra: além da corrupção, que corrói todas as instituições e partidos, alguns têm armas e matadores de plantão.

As FMP também têm grupos armados paralelos para atacar sem correr o risco de ser acusada.

Com um pé no Estado e o outro fora, essa coalizão se aproveita de qualquer situação, afirmam autoridades e especialistas.

Os grupos que compõem as FMP possuem terminais terrestres e armazéns no Iraque, onde a corrupção enche seus cofres. Dinheiro que nem precisam para pagar seus homens, já que estes recebem um salário do Estado, por estarem integrados às tropas.

Assim, os dólares da corrupção e extorsão acabam nos bolsos de diferentes chefes, seja no Irã (duramente atingido pelas sanções americanas) ou nos de seus aliados na região, como o Hezbollah libanês, apontam os especialistas.

Por exemplo, segundo uma autoridade do setor bancário iraquiano, "60 bilhões de dólares foram enviados ao Líbano" por "políticos e milicianos que durante 18 anos carregaram aviões com paletes de dinheiro".

"Sistema político tóxico"


Com essa receita, as FMP não precisam mais tanto do apoio de uma base popular. E, no entanto, é essa base que impulsionou a coalizão ao segundo lugar entre as formações parlamentares em 2018.

Mas, para as próximas eleições, em outubro, seus comandantes admitem que esperam obter um resultado inferior, já que a "revolução de outubro" passou e os milhares de iraquianos que criticaram o sistema durante meses acusam as FMP pelos assassinatos e repressão sangrenta dos manifestantes (600 mortos, 30.000 feridos).

No final, suas vozes valem pouco em um sistema controlado por partidos que "elegem por consenso um primeiro-ministro que pode apresentar o rosto da reforma, mas, na realidade, esconde um sistema político muito tóxico", diz Mansour.

Ironia do destino, o principal contrapoder das Forças de Mobilização Popular é atualmente um chefe miliciano, Moqtada Sadr, lembra à AFP o oficial iraquiano.

O problemático líder xiita, igualmente rico e armado, é um "espinho para as facções pró-Irã". E sua rivalidade é a única razão, segundo especialistas e autoridades, que impede o Iraque de estar sujeito a um exército ideológico baseado no modelo da Guarda Revolucionária iraniana.

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