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'Vidas negras importam': o que é o Juneteenth e o que tem a ver com os protestos após a morte de George Floyd?

Um projeto de lei para tornar o Juneteenth um feriado federal foi aprovado no Senado dos Estados Unidos e na Câmara dos Deputados

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BBC Geral
postado em 18/06/2021 16:01

Juneteenth é uma das celebrações mais antigas dos Estados Unidos, que marca o fim de mais de dois séculos de escravidão no país.

Ela é comemorada no dia 19 de junho desde 1866 e organizações de direitos civis dos EUA, como a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), há muito tempo fazem lobby para tornar a Juneteenth um feriado nacional oficial. Agora, a luta por esse reconhecimento está perto de terminar.

Um projeto de lei para tornar o Juneteenth um feriado federal foi aprovado no Senado dos Estados Unidos (por unanimidade) e na Câmara dos Deputados (415 votos a favor, 14 contra).

Nesta quarta-feira (17/6), o presidente americano Joe Biden transformou a proposta em lei, durante um evento da Casa Branca na tarde desta quinta-feira (17/06).

"Só sou presidente há vários meses, mas acho que isso será considerado, para mim, uma das maiores honrarias que terei como presidente", disse Biden na cerimônia de assinatura.

Embora o Texas tenha se tornado o primeiro Estado a tornar o Juneteenth um feriado oficial em 1980, levou mais de quatro décadas para que isso fosse replicado em nível nacional.

A luta por essa medida ganhou força após a morte de George Floyd, com o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português) e a eleição de Joe Biden como presidente.

Floyd, um homem negro de 46 anos, foi sufocado até a morte por um policial branco, filmado ajoelhado sobre seu pescoço, enquanto ele agonizava. O episódio provocou uma onda de protestos globais contra o racismo e a violência policial, inclusive no Brasil.

Mas o que é Juneteenth?

Um desenho do século 18 mostra escravizados a bordo de um navio negreiro.
Getty Images
Escravidão durou mais de dois séculos nos Estados Unidos

O nome vem de uma combinação, em inglês, de 'junho' e 'décimo nono', em referência à data em que finalmente foi declarado o fim da escravidão nos EUA. Também é conhecido como Dia da Emancipação e Dia da Liberdade.

O presidente Abraham Lincoln havia emitido a Proclamação de Emancipação - que formalmente libertou todos os escravos - mais de dois anos antes. Mas precisou de tempo, e do fim da guerra civil americana (1861-1865), até isso virar uma realidade para todos.

O Texas era um dos Estados confederados - um grupo de Estados que defendiam a escravidão e que lutaram contra a União na guerra civil.

Foi o último Estado a se render ao Exército da União, e também o último onde os negros escravizados foram libertos.

Quando o general da União Gordon Granger leu o documento na cidade de Galveston, a guerra havia terminado e Lincoln havia sido assassinado por um simpatizante confederado em um teatro.

Por que Juneteenth não é um feriado nacional?

Crianças participando de uma comemoração 'Juneteenth' em 2019.
Getty Images
Apesar de ser uma das celebrações mais antigas dos EUA, o Juneteenth não é oficialmente reconhecido como um feriado nacional

Atualmente, 46 dos 50 Estados e o Distrito de Columbia observam ou comemoram oficialmente o Juneteenth. Mas a data não é um feriado nacional, apesar dos anos de lobby das organizações de direitos civis.

Nos últimos dias, várias empresas - incluindo Apple, Nike e Twitter - anunciaram que a data será um feriado remunerado para seus funcionários a partir de agora.

Também nessa lista está o corpo diretor do futebol americano, a Liga Nacional de Futebol (NFL, em inglês). A NFL foi criticada nos últimos anos por excluir o ex-jogador do San Francisco 49ers Colin Kaepernick, que ajoelhou durante o hino nacional em apoio ao movimento Black Lives Matter.

Nikola Hannah-Jones, jornalista do New York Times e autora de uma série premiada sobre a história da escravidão nos EUA, é uma das vozes que defendem o feriado nacional.

"O fato de os EUA não terem um Dia de Emancipação para marcar a abolição de uma instituição contrária aos nossos ideais fundadores de liberdade demonstra uma negação contínua e nossa incapacidade de reconhecer o que fizemos e quem somos. Deveria ser um feriado nacional", escreveu ela em sua conta no Twitter em 11 de junho.

Juneteenth: como Trump causou controvérsia?

Trump
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Trump causou alvoroço ao agendar inicialmente um comício de campanha em Tulsa

Em 11 de junho, enquanto manifestantes contra o racismo estavam nas ruas de um grande número de cidades dos EUA, Trump anunciou que realizaria um comício de campanha, o primeiro desde março (devido a restrições relativas ao coronavírus), na cidade de Tulsa, em Oklahoma, em 19 de junho.

Além da data em si, a escolha do local por Trump também causou furor: Tulsa é o local onde ocorreu um dos piores massacres de negros na história dos EUA, em 1921.

Trump mudou de ideia alguns dias depois e mudou o evento para 20 de junho. Ele disse que a data não foi intencionalmente escolhida e que ele adiaria o evento "por respeito a este feriado".

Mas o local foi mantido - Tulsa é uma das maiores cidades de Oklahoma, um Estado em que Trump conquistou mais de 65% dos votos nas eleições presidenciais de 2016.

Como o Juneteenth se relaciona com o movimento Black Lives Matter?

O elenco de Black-ish durante as filmagens de um episódio com o tema Juneteenth em 2017.
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Lobby para status oficial do Juneteenth foi endossado pela série de TV "Black-ish"

Ativistas têm se empenhado pela conscientização em relação à data nos últimos anos, inclusive com eventos nacionais promovidos pelo movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam).

A campanha incluiu um episódio de Black-ish, uma série de comédia que mostra a vida de uma família americana negra de classe média alta, com o tema Juneteenth.

O episódio, transmitido originalmente em outubro de 2017 e exibido novamente este ano, pede abertamente que Juneteenth seja reconhecido como feriado nacional.

Os protestos em andamento e a crescente conscientização sobre o racismo sistêmico deram ao Juneteenth um novo destaque. Há eventos públicos planejados nos EUA na sexta-feira e no fim de semana.

O governo dos EUA já se desculpou pela escravidão?

Clinton no Senegal em 1998
Getty Images
Presidente Clinton pediu desculpas pelo comércio de escravizados nos EUA em uma visita à África em 1998

Durante uma viagem à África em 1998, o então presidente democrata Bill Clinton pediu desculpas pelo tráfico de escravizados.

Dez anos depois, a Câmara dos Deputados dos EUA emitiu um pedido de desculpas pela escravidão e segregação.

O movimento foi seguido no ano seguinte pelo Senado dos EUA.

Mas, para muitos, essas desculpas não são suficientes. Há pedidos nos EUA por reparações a descendentes de escravizados, mas a questão divide opiniões: em uma pesquisa realizada no ano passado, 74% dos negros americanos mostraram apoio a esse tipo de indenização, enquanto 85% dos brancos se opuseram a eles.

Este texto foi publicado originalmente no dia 18 de junho de 2020 e atualizado às 10h do dia 18 de junho de 2021.


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