Técnica facilita cirurgia de aneurisma abdominal

Desenvolvido por um cirurgião endovascular de Brasília, novo procedimento permite tratar a complicação com alto índice de letalidade de forma não invasiva e com tempo hábil. Hoje, há casos em que o acesso a dispostivos adequados pode demorar quatro meses

» Paloma Oliveto
postado em 17/06/2021 22:32 / atualizado em 17/06/2021 22:32
 (crédito: Grupo Santa/Divulgação)
(crédito: Grupo Santa/Divulgação)

Um aneurisma da aorta abdominal em risco de rompimento é como uma bomba relógio e, quando há indicação cirúrgica, um longo tempo de espera pode levar o paciente à morte. Tradicionalmente, essa é uma operação complexa, com a necessidade de se abrir a cavidade abdominal, o que eleva o índice de letalidade, além de exigir internação em unidades de terapia intensiva (UTIs). Existe uma opção minimamente invasiva que, se por um lado é muito menos agressiva, por outro pode demorar até quatro meses para ser realizada.
Porém, uma adaptação da técnica, desenvolvida por um cirurgião endovascular de Brasília, permite, agora, realizar o procedimento pouco invasivo sem necessidade de espera. Descrito em um artigo publicado na revista médica European Journal of Vascular and Endovascular Surgery, o procedimento reduz custos, internação e, o mais importante para pacientes em risco de rompimento, o tempo entre a identificação e a correção do problema.
O aneurisma da aorta abdominal é uma dilatação da maior artéria do corpo na porção abdominal. Difícil de ser identificada porque, muitas vezes, é assintomática, a condição atinge 5% dos homens e 1% das mulheres acima de 55 anos e tem como principais fatores de risco hipertensão, colesterol alto, tabagismo e diabetes, além de histórico familiar.
Nem todo aneurisma vai romper, essa é uma avaliação que depende do diâmetro e da velocidade de crescimento. “Se ele está com 3,5cm de diâmetro e, em seis meses, aumentar 0,5cm, já ligo o sinal de alerta. Quando atinge de 4,5cm a 5cm, não posso mais esperar e já indico a cirurgia”, explica o cardiologista Lázaro Fernandes Miranda, conselheiro da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O médico explica que, nas emergências, depois de infarto e embolia pulmonar, o rompimento do aneurisma de aorta é a terceira situação chamada de “lesão assassina”, devido à alta letalidade. “Noventa por cento resulta em morte, mesmo nos grandes centros hospitalares.”
No artigo publicado na revista médica europeia, o cirurgião endovascular Gustavo Paludetto, chefe do Setor de Hemodinâmica do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, descreve a nova técnica, que utiliza stents (endopróteses) adaptados ao paciente no momento da cirurgia. “Sem o uso da nova técnica, o tratamento minimamente invasivo só pode ser realizado por meio de dispositivos confeccionados por empresas multinacionais, sob encomenda para o paciente”, explica.
A individualização dos stents é necessária para pessoas que têm limitações, como artérias finas e baixa estatura, que impedem o uso das próteses disponíveis no mercado. “A dificuldade está principalmente na disponibilidade desses materiais. Eles têm alto custo e demoram, em média, de três a quatro meses para serem fabricados e enviados ao Brasil. Em muitos casos, o paciente não consegue esperar esse tempo por causa do risco de morte durante essa espera”, relata.

Alta em 36 horas

Com a nova técnica, o tratamento pode ser realizado de forma imediata, durante a cirurgia minimamente invasiva. Usando informações fornecidas pelos exames de imagem que mostram detalhadamente a aorta do paciente, os cirurgiões adaptam os stents existentes no mercado — e, por isso, de fácil acesso —, realizando o procedimento com um cateter. “O paciente tem alta precoce do hospital, sendo o tempo médio de internação de apenas 36 horas”, conta Paludetto.
O artigo científico descreve dois casos de pacientes submetidos ao procedimento: um homem de 71 anos e uma mulher da mesma idade. Ambos foram acompanhados por dois anos, antes da publicação do artigo. Até agora, foram realizados mais de 10 procedimentos do tipo, segundo Paludetto. O médico explica que, para assegurar a eficácia do tratamento em longo prazo, mais pacientes estão sendo acompanhados em um novo estudo. Porém, a cirurgia não é considerada experimental. “A técnica publicada e reconhecida pelo jornal europeu permite que ela possa ser replicada em qualquer país do mundo.”
Para o cardiologista clínico Lázaro Fernandes Miranda, o novo procedimento é uma importante inovação que ajuda a evitar a “lesão assassina”. Ele insiste, porém, que a principal maneira de combater o aneurisma da aorta abdominal é a prevenção. Além de evitar os fatores de risco, pessoas com histórico familiar devem, mesmo sem sintomas, fazer exames periódicos que permitam visualizar essa parte do corpo. “No caso de quem fez a cirurgia, é preciso continuar a prevenção. A cirurgia cura aquele aneurisma, mas outros podem surgir”, ressalta.
“A técnica publicada e reconhecida pelo jornal europeu permite que ela possa ser replicada em qualquer país do mundo”
Gustavo Paludetto, criador da técnica e chefe do Setor de Hemodinâmica do Hospital Santa Lúcia, em Brasília

90%
Estimativa dos casos de aneurisma da aorta abdominal que terminam com a morte do paciente

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Novo modelo de análise

Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, estão desenvolvendo um novo modelo para determinar pacientes com aneurisma da aorta abdominal que necessitam de cirurgia por risco de rompimento. No geral, o procedimento é indicado para pessoas cujo aneurisma tem diâmetro de 5,5cm ou maior, mas, segundo o bioengenheiro vascular Timothy Chung, essa abordagem de parâmetro falha quase 25%, situações em que pessoas com diâmetro menor acabam sofrendo a ruptura.
O grupo de pesquisadores criará reconstruções geométricas tridimensionais e realizará simulações biomecânicas em conjuntos de dados de pacientes fornecidos a cada seis meses por exames de imagem. A ideia é aprender como pequenos aneurismas progridem ao longo do tempo. Com essas informações e softwares desenvolvidos na universidade, os cientistas pretendem determinar quais formas geométricas do aneurisma podem estar associadas ao risco de rompimento.
“Atualmente, os médicos estão simplesmente aplicando uma análise de forma unidimensional, usando o diâmetro como um limite para a intervenção clínica. As ferramentas desenvolvidas no Laboratório de Bioengenharia Vascular (…) nos permitem criar índices de formas bidimensionais e tridimensionais, levando a uma análise mais robusta”, afirma Chung.

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