Por 24 votos a favor, 9 contra e 14 abstenções, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), sediado em Genebra, adotou uma resolução que determina a criação de uma comissão internacional de inquérito para investigar violações do direito humanitário internacional e abusos cometidos por Israel durante a recente operação militar na Faixa de Gaza. Durante a votação, o Brasil se absteve. A resolução também pede que a comissão de especialistas analise “todas as causas profundas das tensões recorrentes (…), como a discriminação e a repressão sistemática baseadas na identidade nacional, étnica, racial ou religiosa”. A votação ocorreu a pedido do Paquistão, que lidera a Organização da Cooperação Islâmica, e da Autoridade Palestina. Entre 10 e 21 de maio, os bombardeios de Israel na Faixa de Gaza mataram 254 palestinos, incluindo 67 crianças. Em Israel, os foguetes lançados a partir do enclave palestino deixaram 12 mortos.
Antes da reunião, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, fez um discurso por meio de videoconferência. Ela afirmou que, embora Israel tenha tomado uma série de precauções, como o aviso prévio de ataques, em alguns casos, os bombardeios em áreas densamente povoadas resultaram em alto índice de civis mortos e feridos, além da destruição disseminada de infraestrutura civil. “Esses ataques levantam sérias precauções quanto aos princípios de distinção e proporcionalidade do direito humanitário internacional. Se for verificado que o impacto sofrido por civis e bens materiais foi indiscriminado e desproporcional, esses ataques poderiam constituir um crime de guerra.” Bachelet explicou que, apesar de Israel assegurar que vários edifícios de Gaza abrigavam grupos armados ou eram usados com fins militares, a ONU não observou provas a respeito.
“Vergonhosa.” Assim o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reagiu à decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. “É mais um exemplo da flagrante obsessão anti-Israel do Conselho. Mais uma vez, uma maioria automática imoral encobre uma organização terrorista genocida que alveja deliberadamente civis israelenses, enquanto transforma os civis de Gaza em escudos humanos. Isso ao mesmo tempo em que retrata como ‘parte culpada’ uma democracia agindo de forma legítima para proteger seus cidadãos de milhares de ataques indiscriminados com foguetes”, afirmou, em comunicado.
Hipocrisia
Também em nota, a chancelaria israelense rejeitou “abertamente” a resolução e tachou o Conselho de Direitos Humanos de “órgão com a maioria anti-Israel, guiado pela hipocrisia e pelo absurdo”. O Ministério das Relações Exteriores de Israel denunciou que a comissão de inquérito visa “encobrir os crimes cometidos pela organização terrorista Hamas e incriminar as ações de Israel para defender a si mesmo e à sua população”. “Israel não pode e não irá cooperar com tal investigação”, conclui.
Em entrevista ao Correio, Ibrahim Alzeben (leia Depoimento), embaixador palestino em Brasília, avaliou que “houve crimes de guerra cometidos na Palestina pelo Exército israelense em Gaza e pelos serviços de segurança em Jerusalém”. “Fomos às Nações Unidas e pedimos uma investigação sobre o que ocorreu. O comitê foi formado. Confiamos no seu profissionalismo e na capacidade para determinar quem cometeu crimes e para fazer recomendações aos tribunais competentes”, declarou. “Solicitamos uma investigação e fornecemos provas. A medida teve resultados importantes em outros conflitos na Europa e na África”, lembrou.
O diplomata agradeceu a “todos os países que exerceram o seu direito de defender inocentes e perseguir criminosos”. “Esta é a responsabilidade coletiva de todos”, admitiu. Para Alzeben, criminosos não devem ficar impunes. “A questão não é política, não é dirigida contra cidadãos inocentes de Israel, mas, sim, contra aqueles que emitem ordens e cometem crimes”, disse.
Morador da Cidade de Gaza, o médico Hazem Abu Moloh, 49 anos, considera “importante” a votação do Conselho de Direitos Humanos da ONU. “O que ocorreu aqui foram crimes de guerra”, disse o palestino ao Correio. “A maioria daqueles que morreram era de civis, incluindo mulheres e crianças. Israel não levou em conta as vidas dos civis. Não vi crianças e mulheres em uniformes militares. Eles dormiam, vestindo pijamas”, acrescentou.
» Depoimento
Preocupação com postura brasileira
» Ibrahim Alzeben
“Quando a pandemia da covid-19 começou, fizemos um pedido ao Brasil, por ser um país amigo, para que nos ajudasse no enfrentamento deste desastre sanitário. Pedimos porque acreditamos na amizade e na solidariedade entre os povos. E porque consideramos o Brasil uma nação amiga, responsável e solidária. O Brasil também participou de forças de paz em várias regiões do mundo. Tem atuado à altura de sua tradição humanista, característica marcante ao longo de sua história.
Portanto, ficamos preocupados quando o Brasil começou a mudar seu padrão de votação em questões relacionadas à Palestina, mesmo que diante da drástica realidade dos direitos humanos nos territórios ocupados e com respeito a Jerusalém. Iniciamos contatos com as autoridades e expressamos nossa preocupação pela mudança. Por duas vezes consecutivas, o Brasil votou contra projetos de resolução na Organização Mundial da Saúde (OMS). A última delas foi ontem (quarta-feira). Não esperávamos que o Brasil se opusesse ao envio de ajuda médica e de vacinas contra a covid-19.
Esperamos que o Brasil continue a manter seu papel regional e global na manutenção da paz, da segurança e dos direitos humanos no mundo. Continuamos a nos comunicar, dialogar e coordenar com as autoridades brasileiras, para estarmos sempre ao lado da manutenção da paz e da segurança. Este mundo é nosso, e devemos agir com responsabilidade.”
Embaixador palestino em Brasília