A BBC não cumpriu com "altos padrões de integridade e transparência" na entrevista feita pelo jornalista Martin Bashir com a princesa Diana, em 1995, aponta a conclusão de um inquérito aberto para apurar o episódio.
A investigação apontou que Bashir agiu de modo "desonesto" e falsificou documentos para obter a entrevista. E a apuração interna aberta pela BBC sobre o caso, em 1996, foi "ineficiente", agregou o texto.
Tanto a BBC quanto Bashir pediram desculpas, e a emissora escreveu uma carta a respeito para os príncipes William e Harry, filhos de Diana, e endereçou desculpas para o príncipe Charles, ex-marido dela, e para o irmão da princesa, o conde Charles Spencer. Além disso, a emissora devolveu todos os prêmios recebidos pela entrevista, inclusive um troféu Bafta vencido em 1996.
A entrevista foi, na época, assistida por 20 milhões de pessoas. Nela, Diana disse a famosa frase de que havia "três pessoas em seu casamento" com príncipe Charles, em referência a quem é hoje mulher dele, Camilla Parker Bowles. Ela contou sobre seu casamento infeliz com Charles, também admitiu ter tido um caso extraconjugal e disse sofrer de bulimia. Até então, nenhum membro da realeza britânica havia falado tão abertamente sobre a vida dentro da família real e sua relação com os demais.
Mas, desde então, Spencer começou a questionar os métodos usados por Bashir para obter a entrevista.
Martin Bashir, na época, era um repórter relativamente júnior dentro da BBC, sem nenhum contato em particular com a família real, portanto de fato houve certa surpresa quando soube-se que ele havia conseguido uma entrevista com Diana.
Segundo o relatório sobre o caso, Bashir mostrou ao conde Spence um extrato bancário falsificado parecendo mostrar pagamentos de um conglomerado de mídia a um ex-funcionário da equipe do conde. Isso teria feito Spencer confiar nele e apresentá-lo a Diana.
Bashir admitiu a falsificação mas, quando questionado por seus chefes na BBC, repetidamente negou ter apresentado os documentos a Spencer.
A BBC afirma que o relatório apresentado nesta quinta-feira (20/05) mostrou "falhas claras" no processo de obtenção da entrevista, admitindo que deveria ter feito um esforço maior na época para esclarecer a questão.
Bashir afirmou que a falsificação de documentos "foi uma estupidez", mas que o ato não afetou a decisão de Diana em ser entrevistada.
De volta ao relatório, liderado pelo juiz aposentado lorde Dyson, algumas das principais conclusões foram de que:
- Bashir seriamente descumpriu regras da BBC ao forjar extratos bancários para ganhar acesso à princesa
- Ele mostrou os documentos ao conde Spencer para ganhar sua confiança de forma a que ele a apresentasse a Diana
- Com esse acesso, Bashir conseguiu persuadir a princesa a ser entrevistada
- Quando a BBC lançou sua própria investigação, em 1996, sobre as táticas usadas para a obtenção da entrevista, não cumpriu com "os altos padrões de integridade e transparência que são sua marca".
- Em contrapartida, uma carta de 1995 da princesa Diana, publicada como prova, diz que ela "não tinha nenhum arrependimento" com relação à entrevista.
Diante, porém, dos questionamentos de Spencer, que levou suas queixas a público, uma comissão independente foi encomendada pela BBC no ano passado.
Nela, o lorde Dyson descobriu que Bashir havia enganado Spencer ao mostrar a ele os extratos bancários forjados que falsamente sugeriam que indivíduos estavam sendo pagos para manter a princesa sob vigilância. O inquérito também diz que Bashir mentiu, tendo negado a seus editores na BBC que tivesse mostrado documentos falsos a quem quer que fosse.
O texto também descreve partes significativas do relato de Bashir sobre os eventos de 1995 como "não críveis, não confiáveis e, em alguns casos, desonestos".
Em comunicado, Bashir pediu desculpas pela falsificação de documentos, mas disse que continua a ter "imenso orgulho" da entrevista.
"Os extratos bancários não tiveram peso algum na escolha pessoal de Diana em participar da entrevista. Provas cedidas ao inquérito escritas à mão por ela (e publicadas como parte do relatório nesta quinta-feira) confirmam isso inequivocamente, e outras evidências robustas apresentadas a lorde Dyson reforçam isso", declarou o jornalista.
É a primeira vez que essa carta, escrita após a entrevista, aparece em público, como parte do inquérito.
Datada de 22 de dezembro de 1995, a carta diz: "Martin Bashir não me mostrou nenhum documento nem me deu nenhuma informação de que eu já não tivesse ciência. Concordei com a entrevista ao Panorama (programa da BBC que levou a entrevista ao ar) sem sofrer pressões e não tenho nenhum arrependimento".
Além de criticar Bashir, o relatório traz críticas à BBC sobre a forma como a empresa lidou com as alegações envolvendo as táticas usadas para a entrevista: em 1996, a investigação interna da emissora apontou que Bashir, o programa Panorama e a BBC News não haviam cometido nenhum erro.
Essa investigação, liderada pelo então diretor de notícias lorde Hall, foi "ineficaz", diz o lorde Dyson.
E, sob escrutínio da imprensa na época, a BBC deu respostas "evasivas" a muitas das questões levantadas por jornalistas, prossegue.
Quando questionados a respeito dos extratos bancários, em março de 1996, representantes sêniores da BBC, incluindo o lorde Hall, já sabiam que Bashir havia mentido três vezes a respeito de tê-los mostrado a Charles Spencer, aponta o relatório.
A despeito disso, a assessoria de imprensa da BBC disse a jornalistas que Bashir era um "homem honesto e honrado".
Em comunicado, lorde Hall disse que errou na época ao dar a Bashir "o benefício da dúvida". "Ao longo dos meus 35 anos de carreira na BBC, sempre agi de modos que acredito terem sido justos, imparciais e centrados no interesse público. Embora lorde Dyson não questione minha integridade, lamento que nossa investigação tenha falhado em cumprir com os padrões exigidos".
O atual diretor-geral da BBC, Tim Davie, afirmou: "Embora o relatório afirme que Diana, princesa de Gales, estava disposta à ideia de (dar) uma entrevista à BBC, ficou claro que o processo de obter a entrevista ficou abaixo do que o público tem o direito de esperar. Lamentamos muito por isso. Lorde Dyson identificou falhas claras. Enquanto hoje a BBC tem processos e procedimentos significativamente melhores, os que existiam à época deveriam ter sido capazes de prevenir que uma entrevista fosse obtida desse modo. A BBC deveria ter feito um esforço maior em chegar ao fundo do que aconteceu na época e ter sido mais transparente a respeito do que sabia. Embora a BBC não possa voltar no tempo depois de um quarto de século, podemos fazer um pedido de desculpas pleno e incondicional. É o que a BBC oferece hoje".
O presidente da corporação, Richard Sharp, também disse que a BBC "aceita sem reservas" as descobertas do inquérito, que são de "falhas inaceitáveis". "Não tiramos nenhum conforto do fato de que foi algo histórico", afirmou.
E o lorde Birt, que era diretor-geral da BBC na época da entrevista, disse que, graças ao inquérito, "hoje sabemos que a BBC nutriu um repórter desonesto dentro do Panorama. É uma mancha chocante no persistente compromisso da BBC com o jornalismo honesto, e é motivo para grande arrependimento que tenha demorado 25 anos para a verdade completa vir à tona".
Bashir, hoje com 58 anos, é um dos jornalistas mais conhecidos do Reino Unido. Além da entrevista com Diana, ele obteve grande destaque com sua entrevista com o popstar Michael Jackson, em 2003. Trabalhou, além de na BBC, para a emissora britânica ITV e para várias emissoras americanas.
Na semana passada, ele deixou a BBC, citando motivos de saúde. Ele era o editor especialista em religião desde 2016.
Mas lorde Grade, que foi presidente da BBC entre 2004 e 2006, disse que o "acobertamento" da BBC foi pior do que o comportamento de Bashir.
"Foram necessários 25 anos para se chegar à verdade. Isso levanta questionamentos, sobre quantos acobertamentos mais estão nos arquivos do jornalismo da BBC e dos quais não sabemos?"
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!