Manizales (centro-oeste): o Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad) lança uma granada de gás lacrimogêneo dentro de um micro-ônibus lotado. Cali (sudoeste): no bairro de Siloé, um dos mais pobres da cidade, dois manifestantes agonizam no chão. Não longe dali, jovens deitam-se no chão, enquanto a polícia dispara com armas letais. Na mesma cidade, um policial sobre uma motocicleta executa, à queima-roupa, um jovem que caminhava pela calçada. As imagens de mais uma madrugada tensa na Colômbia, ontem, viralizaram nas redes sociais e atraíram forte condenação da comunidade internacional.
No sétimo dia de protestos contra o presidente Iván Duque e a controversa reforma tributária, a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia (UE) e ativistas de direitos humanos criticaram o “uso excessivo” da força policial. Os Estados Unidos exortaram as forças de segurança a atuarem com “a máxima moderação”. “Pedimos a máxima moderação às forças públicas para evitar mais perdas de vidas”, afirmou a porta-voz adjunta do Departamento de Estado, Jalina Porter, ao anunciar que Washington apoia o governo Duque em “seus esforços para fazer frente à situação atual mediante o diálogo político”. Até o fechamento desta edição, a repressão policial tinha deixado 19 mortos, 846 feridos e 89 desaparecidos, segundo a Defensoria Pública colombiana.
“Estamos profundamente alarmados com os acontecimentos ocorridos em Cali na Colômbia na noite passada, quando a polícia abriu fogo contra os manifestantes que protestavam contra a reforma tributária, matando e ferindo várias pessoas”, disse Marta Hurtado, porta-voz do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR). Ao Correio, José Miguel Vivanco — diretor da Divisão das Américas da Human Rights Watch (HRW) e especialista em América Latina — admitiu que recebeu “muitas denúncias” de abusos. “Estamos investigando. A situação é muito delicada. Temos uma equipe na Colômbia que faz a verificação. Há vários casos de mortos e são muitos os feridos.”
Violações
Coordenador da plataforma Grita (mecanismo que recebe denúncias de abusos policiais), da ONG Temblores (em Bogotá), Alejandro Rodríguez Pabón afirmou ao Correio que registrou 1.443 atos de violência cometidos pelas forças de segurança e pelo Exército colombiano na última semana. “Temos informações sobre 216 vítimas de violência física, 814 detenções arbitrárias, 21 vítimas de lesões oculares, 77 casos de disparos de armas de fogo contra civis e 10 denúncias de violência sexual”, contou. “Vimos policiais que realizam patrulha sem identificação. Pela normativa colombiana, cada agente tem que se identificar e permitir que a abordagem seja gravada. Também vimos policiais dispararem com armas de fogo contra civis.” Durante a entrevista, era possível escutar o barulho de sirenes ao fundo.
Os protestos começaram em 28 de abril e concentram-se na capital, Bogotá; e nas cidades de Cali, Medellín, Cartagena, Barranquila e Neiva. Na periferia de Bogotá, tanques podiam ser vistos estacionados. Com 2,2 milhões de habitantes, Cali está militarizada desde sexta-feira, por ordem de Duque, que enfrenta protestos sem precedentes desde que ascendeu ao poder, em 7 de agosto de 2018. Segundo Andrés Macías Tolosa, professor da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá), as manifestações são fruto de um processo que remonta a novembro de 2019. “Criou-se um Comitê Nacional de Greve para reunir-se com o governo. Em 2020, com a pandemia, a negociação não avançou. A reforma tributária impulsionou o descontentamento dos movimentos sociais”, disse o especialista.
A meta era ampliar a arrecadação para mitigar os efeitos da pandemia da covid-19. Isso seria feito com o aumento de impostos sobre produtos e sobre serviços públicos, além do escopo de contribuintes obrigados a pagarem o imposto de renda. Duque pediu ao Congresso que retirasse a reforma da pauta. Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, renunciou. Não foi o bastante para conter os ânimos.