Internacional

Elogiado por Eduardo Bolsonaro: como Parlamento de El Salvador removeu juízes da Suprema Corte

Destituição de juízes foi vista como uma grande vitória do presidente Nayib Bukele, que foi retuitado por Eduardo Bolsonaro no domingo


Uma crise entre poderes, com o Parlamento destituindo juízes da Suprema Corte e o procurador-geral com apoio do Presidente da República.

Nesse caso, o presidente tentava impor medidas rígidas de lockdown contra o coronavírus, mas via suas tentativas barradas por juízes.

O episódio aconteceu em El Salvador neste final de semana, e teve repercussões entre políticos brasileiros.

No sábado (01/05), a Assembleia Legislativa (o Parlamento de El Salvador) aprovou por ampla maioria — 64 dos 84 deputados votaram a favor — a destituição dos cinco magistrados da Câmara Constitucional da Corte Suprema de Justiça (CSJ). Os integrantes desta Câmara formam um terço da CSJ.

Segundo analistas, a medida ampliou os poderes do presidente Nayib Bukele, cujo partido Novas Ideais forma a maioria na Assembleia Legislativa de El Salvador.

Mas a polêmica votação provocou uma torrente de condenações nacionais e internacionais. Críticos consideram que a decisão viola a independência dos poderes dos órgãos do Estado e carece de amparo jurídico.

Entre os críticos, está o governo dos Estados Unidos, principal parceiro comercial de El Salvador, que já contatou o presidente Bukele para expressar suas "sérias preocupações" sobre o ocorrido.

No Brasil, a destituição de magistrados pelo Congresso foi elogiada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

"Presidente de El Salvador Nayib Bukele tem maioria dos parlamentares em seu apoio. Agora, o Congresso destituiu todos os ministros da suprema corte por interferirem no Executivo, tudo constitucional. Juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem", escreveu Eduardo Bolsonaro no Twitter no domingo (02/05).

Junto com esse texto, Eduardo Bolsonaro retuitou uma mensagem escrita pelo presidente de El Salvador.

"Aos nossos amigos da Comunidade Internacional: queremos trabalhar com você, negociar, viajar, nos conhecer e ajudar no que pudermos. Nossas portas estão mais abertas do que nunca. Mas com todo o respeito: estamos limpando nossa casa... e isso não é da sua conta", escreveu Bukele.

Eduardo Bolsonaro não faz menção ao fato de Bukele estar tentando impor restrições como lockdown, ao contrário do que ele defende. No Brasil, o Superior Tribunal Federal (STF) deu mais poderes aos Estados e municípios para decretar lockdowns e quarentenas, contrariando a vontade do presidente Jair Bolsonaro, que vem se manifestando contra essas medidas.

A mensagem do filho do presidente foi criticada pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que escreveu também no Twitter: "Muito grave o comentário do deputado Eduardo Bolsonaro".

O que aconteceu em El Salvador?

A destituição dos juízes aconteceu poucas horas depois de um novo Congresso tomar posse no sábado. Em eleições realizadas em março, o partido Novas Ideias, do presidente de El Salvador, havia conquistado mais de dois terços das vagas, dando amplos poderes ao presidente.

Logo depois da decisão de sábado, os parlamentares também aprovaram por maioria absoluta a destituição do procurador-geral da República, Raúl Melara.

Os parlamentares invocaram o artigo 186 da Constituição salvadorenha que prevê que a Assembleia Legislativa pode destituir magistrados "por causas específicas, previamente estabelecidas em lei" se a iniciativa contar com o apoio de dois terços dos deputados.

Um dos motivos da briga entre Bukele e os magistrados da Câmara Constitucional da CSJ é a pandemia.

A deputada do Novas Ideias, Elisa Rosales, argumentou que os juízes precisavam ser removidos porque estão atrapalhando a estratégia do governo para conter a pandemia do coronavírus.

Em abril do ano passado, Bukele havia dito que desrespeitaria uma decisão da CSJ. O presidente salvadorenho havia decretado lockdown devido à pandemia e prometido prender quem desrespeitasse as restrições. Algumas pessoas estavam sendo detidas por até 30 dias em centros de quarentenas improvisados em hotéis. No entanto, juízes do CSJ decidiram que o governo não teria poder para prender quem desrespeitasse o lockdown e a quarentena.

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A Assembleia juramentou os novos magistrados da Câmara Constitucional de El Salvador logo após a destituição dos membros anteriores

Em agosto do ano passado, o presidente afirmou na rede nacional que, "se fosse mesmo um ditador", teria fuzilado os magistrados por declararem inconstitucionais as portarias que ele havia expedido sobre lockdown.

Neste final de semana, Elisa Rosales disse que a destituição dos magistrados é uma forma de proteger os salvadorenhos.

Qual foi a reação?

A própria Corte Suprema de Justiça emitiu nota no fim de semana: "Declara-se que a decisão da Assembleia Legislativa (...) é inconstitucional, na medida em que viola a forma republicana, democrática e representativa de governo".

Mas na tarde domingo, as redes sociais da Câmara Constitucional e da CSJ apagaram a resolução publicada pelos magistrados demitidos e postou a primeira foto dos cinco novos titulares eleitos.

Parlamentares da oposição denunciaram a demissão dos juízes. Anabel Bollose, do partido de esquerda FMLN, chamou o ato de "golpe". A oposição há muito acusa o presidente Bukele de ter tendências autoritárias e de minar a separação de poder de El Salvador e seu sistema de freios e contrapesos.

Também houve manifestações nas ruas em El Salvador contra a destituição dos juízes.

A entidade independente de direitos humanos Human Rights Watch descreveu a ação como um "ataque à democracia" que quebrou o estado de direito e procurou concentrar "todo o poder" nas mãos do presidente Bukele.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, ligou para o presidente Bukele no domingo para expressar sua "séria preocupação". Segundo o Departamento de Estado, Blinken disse a Bukele que "um judiciário independente é essencial para a governança democrática".

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, também expressou suas preocupações em um tuíte no domingo.

"Estamos profundamente preocupados com a democracia de El Salvador, à luz do voto da Assembleia Nacional para destituir os juízes do Tribunal Constitucional. Um judiciário independente é fundamental para uma democracia saudável — e para uma economia forte", escreveu a vice-presidente americana.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) rejeitou as demissões, lembrando que "na democracia, as maiorias têm a responsabilidade de ser fiadoras fundamentais para garantir o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; acesso ao poder e seu exercício sujeito ao estado de direito; o regime plural de partidos e organizações políticas; e separação e independência dos poderes públicos ".

"Quando as maiorias impõem uma visão única e uniforme para o resto do sistema político, elas estão minando esses princípios. Quando as maiorias eliminam os sistemas de freios e contrapesos no quadro institucional, estão alterando a essência de seu funcionamento", afirmou. adicionado em uma declaração.

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Policiais patrulharam as instalações da CSJ após a votação na Assembleia Legislativa

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também criticou as demissões "sem o devido processo ou causas constitucionais específicas, o que põe em risco o Estado de Direito" em El Salvador.

Quem é Nayib Bukele?

Nascido em 24 de julho de 1981 na capital, San Salvador, e com ascendência palestina, Nayib Bukele foi eleito em 2019 aos 37 anos. Considerado um outsider político, ele prometeu trazer "uma nova era" para El Salvador.

Um astuto usuário de mídia social, ele projetava uma imagem jovem e contra a política tradicional. Bukele prometeu romper com as alianças de política externa de esquerda que seu antecessor no cargo, Salvador Sánchez Cerén, forjou. O político dizia que priorizaria os laços de El Salvador com os EUA (na época governados por Donald Trump) e que examinaria de perto as relações recentemente estabelecidas entre El Salvador e a China.

Sua principal plataforma era o combate a gangues criminosas. Ele dizia que queria usar educação e programas sociais para afastar os jovens das gangues violentas. Ele nomeou oito mulheres para cargos importantes no governo, sete delas como ministras.

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Neste domingo, salvadorenhos se manifestaram contra a demissão dos juízes e do procurador-geral

Sua chegada ao poder colocou fim a quase três décadas de disputas entre apenas dois partidos em El Salvador: o esquerdista Farabundo Marti Frente de Libertação Nacional (FMLN) e o partido conservador Arena, que se alternavam no poder desde o fim da guerra civil no país, em 1992. Bukele foi filiado ao esquerdista FMLN mas foi expulso da sigla por desrespeitar os direitos das mulheres e jogar uma maçã em um líder comunitário local.

Seu partido, o Novas Ideias, foi formado em 2018, e sequer teve tempo para participar da eleição parlamentar anterior. Mas em março deste ano, a sigla foi a grande vencedora do pleito legislativo, dando a Bukele o controle do Congresso.

O combate à pandemia rende a Bukele altos índices de aprovação popular. O presidente foi rápido em introduzir restrições rígidas ao movimento e à atividade comercial no início da pandemia.

As medidas renderam críticas da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que o acusou de estar "restringindo liberdades" através do uso de "força militar" contra quem desrespeitava o lockdown. A oposição em El Salvador constantemente critica Bukele e seu partido de possuírem inclinações autoritárias.

Em fevereiro de 2020, parlamentares de El Salvador acusaram o presidente de encenar uma "tentativa de golpe" depois que ele entrou na Assembleia Legislativa acompanhado por policiais armados e soldados. Bukele rejeitou as críticas dizendo que "se eu fosse um ditador, teria assumido o controle de tudo".

Mas o fato de El Salvador ter até agora tido um número menor de infecções e mortes por covid-19 do que muitos de seus vizinhos centro-americanos se traduziu em um apoio mais forte ao Novas Ideias entre o eleitorado.

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