Caracas, Venezuela — "A verdade sobre os venecos? Por mim, que os eliminem como ratos". Esse tuíte é apenas uma das mensagens destacadas pelo barômetro da xenofobia, ferramenta criada por estudantes universitários e ONGs na Colômbia para medir o "ódio" contra os migrantes venezuelanos. O conteúdo é assustador.
"Comem merda", "filhos da puta", "pragas" foram outros insultos identificados por este medidor. A rejeição dos venezuelanos que emigraram em massa nos últimos anos cresce em toda a América Latina em um contexto econômico sombrio e a pandemia do coronavírus.
As saídas começaram após a eleição de Nicolás Maduro, herdeiro de Hugo Chávez após sua morte em 2013, e se intensificaram entre 2014 e 2015, com uma crise econômica que arruinou o poder de compra e fez com que mais de cinco milhões de venezuelanos abandonassem o país em busca de melhores condições de vida.
O fluxo diminuiu, mas não parou durante o oitavo ano de recessão econômica na outrora potência petrolífera.
"A princípio, foi uma imigração da classe média alta, que viajava de avião com documentos válidos, alguma economia", explica à AFP Claudia Vargas, socióloga que pesquisa o assunto na Universidade Simón Bolívar de Caracas.
"Já não é isso o que acontece desde o final de 2014", quando as classes mais pobres começaram a emigrar.
Cerca de 60% dos mais de 5,4 milhões de migrantes venezuelanos não têm documentos. E a maioria, cerca de 1,7 milhão, vive na Colômbia, à frente do Peru, Chile e Equador, segundo o site Frontera Viva.
"Peru é o pior"
Os "venecos" (venezuelanos) agora são responsabilizados pela insegurança, criminalidade, desemprego, déficit público, problemas nos hospitais e até pelo aumento dos divórcios.
E o discurso xenófobo se impôs no Chile, Equador, Brasil e Peru, além da Colômbia, onde o barômetro fez uma análise dos insultos.
Juan Emilio L., um venezuelano de 31 anos, acabou se estabelecendo no Chile, depois de passar pela Colômbia, Equador e Peru.
"É um povo mais fechado e é difícil conseguir documentos, mas a verdade é que eles deixam você trabalhar e não mexem com você nem te rejeitam como em outros países", disse à AFP. "O pior, o Peru, lá eles não querem nos ver nem pintados".
Vídeos de peruanos insultando venezuelanos circulam nas redes sociais.
O Peru, que tinha 60.000 venezuelanos antes da crise, agora abriga cerca de 1,2 milhão.
Tanto o presidente Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018), um rival ativo de Maduro, como seu sucessor Martín Vizcarra mantiveram uma política de fronteira aberta para os venezuelanos. Mas as autoridades endureceram suas medidas desde 2019, quando o assunto estourou no cenário político.
A luta contra a imigração está no centro da campanha presidencial de 2021. Pedro Castillo, um nacionalista que lidera as pesquisas para o segundo turno de 6 de junho, prometeu deportar todos os imigrantes ilegais nas 72 horas após sua eventual chegada ao poder: "que [Maduro] venha e leve seus compatriotas que vieram aqui para cometer crimes".
O Chile, por sua vez, deportou centenas de venezuelanos em situação irregular.
"Devolve uma pessoa a um país (...) que você reconheceu em seu discurso político que está em perigo em seu país", critica Vargas.
Refugiados?
Alguns países iniciaram operações para integrar seus imigrantes.
A Colômbia, que também deportou venezuelanos que cometeram crimes, iniciou um plano de regularização para quase um milhão de migrantes venezuelanos, em meio a uma disputa política entre Maduro e o presidente Iván Duque.
A República Dominicana também espera regularizar 115.000 venezuelanos, que considera uma força de trabalho "qualificada", segundo Enrique García, diretor de Migração para este país, que denuncia e condena a significativa imigração haitiana.
Mas a tendência continua sendo de fechamento, explica Vargas, que dá como exemplo a militarização da fronteira no Equador ou os "muros legais", como documentos apostilados ou altas taxas administrativas, que ele diz que muitos países impuseram para fazer a regularização mais difícil.
"A única coisa que isso gera é maior irregularidade e, portanto, mais pessoas em condições de vulnerabilidade", acrescenta.
"Há um reconhecimento da crise", que "merece uma responsabilidade acrescida", diz o especialista.
Mas para ela, embora o ideal fosse conceder status de refugiado a esses imigrantes, isso representa "uma responsabilidade jurídica, política e financeira muito grande que os países não têm".
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